Para os advogados este título nasce do brocardo de que mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. Depois da cimeira do Conselho Europeu, todos perceberam que mais vale um mau acordo (e como veremos é um excelente acordo, a todos os níveis) do que não haver acordo.

Queremos, enquanto Estado, solidariedade dos outros Estados-membros. Mas a solidariedade não é, não pode ser, gratuita. O fundo de recuperação da União Europeia não pode justificar o despesismo e o desbaratar desses fundos por políticos e políticas irresponsáveis, em aplicações sem substrato económico e sem uma correta análise de custo-benefício dos projetos a financiar por esses fundos europeus.

Um Estado que é caraterizado por excessivo despesismo, excesso de dívida pública, políticas de investimento altamente criticáveis (excesso de auto-estradas, rotundas e outras obras públicas faraónicas e inúteis, bem como as recentes notícias de corrupção de um ex-primeiro-ministro, dos casos da EDP, da PT, do BES, de um ex-ministro da Economia que ganhava a vários carrinhos e, “last but not least”, das nacionalizações da TAP e da Efacec, não transmitem aos Estados ditos frugais a confiança necessária para passarem um cheque em branco.

Como alguém escreveu recentemente: “there is no solidarity without responsability”.

Seria, assim, perfeitamente legítimo e compreensível que os fundos europeus transferidos gratuitamente fossem condicionados.

Note-se que é o maior Governo de toda a história portuguesa e naturalmente o mais dispendioso que liderou esta negociação. Governo que se aliou a partidos de esquerda que defendem uma maior intervenção do Estado na economia, leia-se, maior despesa pública e improdutiva. Governo que nacionaliza empresas. Tudo isto faz tremer os países frugais, com contas públicas equilibradas e com uma ideia da Europa respeitadora da livre e sã concorrência, da livre iniciativa empresarial e com uma ideia de recompensa pelo mérito e não pelos direitos adquiridos.

Aliás, o espírito protestante dominante desses países contrasta com a raiz católica dos países do sul: naquele a ideia da dor a quem prevaricou não se redime pelo prémio ou pela redenção, mas pelo castigo!

Note-se que não estamos a negar o efeito económico da crise provocada pela crise pandémica. O que não se admite é o aumento de despesa pública que não seja provocada diretamente pelo apoio ao Serviço Nacional de Saúde e ao lay-off simplificado.

O que não se percebe é ter aumentado a Função Pública, pago 55 milhões de euros ao Sr. David Neeleman por uma participação social com valor negativo, ou ter-se nacionalizado a Efacec, o que não se entende é manter-se o número injustificável de ministros e secretários de Estado, o não se ter reduzido a despesa corrente da administração pública (mas porque é que a Função Pública não há-de sofrer os mesmos sacrifícios dos trabalhadores privados? E, por maioria de razão, os vencimentos dos políticos deveriam ter sido reduzidos!).

Tudo isto é escrutinado pelos ditos Estados frugais. E qual a razão para que o Governo português se oponha a esse escrutínio? Deveria, bem pelo contrário, exigi-lo! Existem reformas estruturais que são sistematicamente adiadas e eis a segunda oportunidade para as levar a cabo. A primeira, o Dr. Passos Coelho desbaratou-a, com a ajuda do Tribunal Constitucional…

Aliás, a estratégia negocial do Dr. Costa passava por preferir receber menos subvenções do que aceitar a monitorização da utilização dos fundos europeus. Quer dizer muito sobre a projetada utilização dos mesmos fundos!

A competitividade da nossa economia, a confiança dos nossos parceiros europeus na boa utilização em projetos multiplicadores e a solvabilidade das nossas contas são os aspetos que descurámos no passado e que estamos agora a pagar. Mais vale tarde do que nunca.

Temos de olhar para os bons exemplos dos Estados frugais. Os fundos europeus têm de ser dirigidos à competitividade da nossa indústria, das energias renováveis, de projetos de sustentabilidade, da economia verde, da economia digital e manter em estado comatoso toda a fileira turística para quando a retoma regressar.

Portugal já aceitou a monitorização da nossa economia pela troika. Porque não poderia aceitar o mesmo condicionalismo por parte da União Europeia? É que as subvenções implicam dívida da União. É a tão desejada socialização da dívida que os países do Sul tanto queriam. É normal e até útil para estes países que os Estados frugais exijam escrutínio sobre a aplicação dos fundos.

Vão ser necessárias reformas estruturais, máxime na lei do trabalho, na lei do arrendamento fomentando a mobilidade profissional (inexistente num país ridiculamente pequeno), no ambiente fiscal, tornando-o mais friendly para os investidores, com maior estabilidade e menor perseguição aos cidadãos, tornando mais “lean” a Função Pública e cortando na despesa pública corrente, verdadeiro cancro da nossa sociedade e economia.

Os projetos a financiar deverão ser aqueles que façam sentido e não elefantes brancos. Investimento na ferrovia e na bitola europeia, investimento nas energias renováveis, nas infraestruturas de transporte de energia para a Europa, nos portos, investimento em empresas economicamente viáveis, de preferência em empresas que produzam bens transacionáveis. Mas esta escolha de quais as empresas a apostar não pode ser deixada aos gabinetes ministeriais e aos boys partidários. Temo o pior!

Uma última palavra para o estudo ou visão estratégica do Dr. António Costa e Silva. Ao contrário do que quase toda a intelligentzia nacional referiu, acho que a Europa deve ter-se rido de nós. Então os múltiplos gabinetes de estudos e de planeamento dos ministérios, das várias agências reguladoras setoriais, das universidades, as associações empresariais e os sindicatos são todos inúteis?

É preciso que venha um sábio (sem ironia) dizer umas “lapalissadas” e umas tantas ideias originais e caríssimas (v.g. hidrogénio), em texto corrido e sem qualquer sustentação económica para que saibamos o rumo da nossa economia? Seria bom que tivéssemos os Estados frugais a controlar o nosso dinheirinho!

Por isso reafirmo: mais vale um mau acordo do que um não acordo. Mas venham os compromissos, as condições, as reformas estruturais e a monitorização externa e independente dos fundos europeus. Os romanos já diziam que há, nos confins da Ibéria, um povo que não se governa nem se deixa governar…