À medida que avança a pandemia vai-se tornando cada vez mais difícil manter a fé na humanidade, tantos e tão diversos são os sinais de insanidade com que nos deparamos todos os dias.

Não estou a referir-me aos desvarios da equipa jurídica de Trump, que à falta de factos enveredou por inenarráveis teorias da conspiração. Entretanto, esta semana, Biden parece ter ganhado as eleições pela segunda vez e a transição vai começar.

Também não estou a pensar na casmurrice do PCP, que insiste em fazer o seu congresso ao mesmo tempo que a pandemia dispara. Afinal, o PCP também já fez a Festa do Avante e não é propriamente um partido dado a aprender com os erros do passado.

Tão-pouco me refiro à hilariante tentativa de atirar para cima de Cavaco Silva a responsabilidade pela realização do dito congresso do PCP. Políticos a assumir a responsabilidade pelos seu atos e omissões é coisa rara e, por isso, para sacudir a água do capote vale quase tudo.

Nem sequer me passa pela cabeça criticar a estratégia de combater o aumento galopante do número de infetados com “pontes” para alunos e professores e “tolerâncias de ponto” para funcionários públicos. Quem é que, recebendo o ordenado por inteiro, alguma vez se queixou de não trabalhar?

A razão da dificuldade em manter a fé na humanidade é bem mais pequenina. Aparentemente insignificante.

Na realidade, circulou esta semana uma notícia de que o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) se tinha debruçado extensamente sobre a questão jurídica de saber se uma pessoa pode exigir tirar a fotografia do seu cartão de cidadão com a cabeça coberta.

A questão é, em si mesma, bastante delicada, porque o modo como cada um se identifica (perante o poder público e perante terceiros) não é de todo neutro do ponto de vista dos seus direitos fundamentais. Há motivações religiosas, culturais, médicas e até estéticas que encontram suporte na liberdade religiosa, no livre desenvolvimento da personalidade e até no direito à imagem.

Por conseguinte, é atendível a pretensão de uma freira se fazer fotografar com um véu na cabeça, de um sikh se apresentar com turbante, de um judeu usar kipá ou de uma mulher islâmica figurar com o correspondente véu.

Motivações não religiosas podem ter menos força, mas não devem ser descartadas a priori.

Acontece, porém, que o caso que deu origem ao referido parecer do IRN respeita a um personagem que, invocando a sua qualidade de membro de uma confissão religiosa, pretendia figurar no seu cartão de cidadão com – nada mais, nada menos – um escorredor de esparguete enfiado na cabeça. Não um turbante, não um kipá, um chapéu, um véu, uma boina ou um gorro, mas um utensílio de cozinha. Daqueles que se usam para coar a água e deixar o esparguete al dente!

Um louco varrido, portanto? Aqui é que vem a parte pior. A igreja em causa existe mesmo e chama-se “igreja do monstro do esparguete voador”, tem fiéis em múltiplos países e, nalguns deles, tem autoridade para celebrar casamentos. Uma pesquisa no Google completa de imediato “pasta” com “pastafarianismo”. E, naturalmente, os respetivos membros fazem questão de figurar nos seus documentos de identificação com um escorredor de esparguete bem no alto da cabeça.

Poupo-me a descrever as crenças que integram o “evangelho” do esparguete voador, mas queria dar os parabéns ao IRN pela seriedade como tratou a questão neste mundo cada vez mais ensandecido. E relembrar um prognóstico comum sobre os caminhos da nossa sociedade: quando as pessoas deixam de acreditar em Deus, não passam a acreditar em nada. Passam a acreditar em tudo.