Há expressões que ficam no ouvido. Houve a celebre  “Mão de Deus”, de Maradona; a também popular “Mão de Vata”, do Vata Matanu Garcia; e mais recentemente, a “Mão de Vaca”, protagonizada por alguns deputados há duas semanas no parlamento.

Na antiga Grécia, os “politikos” eram tidos como homens que colocavam o bem comum acima dos seus interesses individuais. Por inerência, ser político era uma arte nobre, um dever cívico e uma honra para qualquer cidadão investido da responsabilidade de representar os seus pares e servir o seu país. Em essência, por estas, ou por outras palavras, é isto que homens e mulheres, nossos representantes na Assembleia da República, juram fazer.

No passado dia 22 de Dezembro, porém, uma parte significativa dos deputados, à exceção dos deputados eleitos pelo CDS e pelo PAN, resolveram suspender esse juramento e passar à categoria de “politiqueiro”, uma derivação pejorativa de político (politician), que surgiu no século XVI em Inglaterra. É certo que (ainda) não mataram ninguém, todavia, o “enredo” à volta desta novela da “Lei de Financiamento dos Partidos” é digna de um episódio inteirinho da saga “House of Cards”.

Incentivados por um pedido de clarificação da lei existente, solicitada pelo Tribunal Constitucional, sobre dois pontos muito específicos – a possibilidade de recurso de decisões da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) e o enquadramento legal de eventos como a “Festa do Avante” ou a “Festa do Chão da Lagoa”, na Madeira – os partidos, ou os seus representantes, quiseram tomar de assalto a lei e de uma forma mesquinha, à laia da dita “mão de vaca”, extravasar aquilo que lhes havia sido pedido.

Note-se que o problema não é a revisão da lei em si. O problema é o modo como tentaram que acreditássemos que a lei foi revista. Ora vejamos:

  • Primeiro: sem registo, i.e, sem atas;
  • Segundo: sem rosto, i.e. sem saber quem propôs o quê;
  • Terceiro: sem regra, i.e. escudando as alterações no pedido de clarificação do Tribunal Constitucional;
  • Quarto: sem tempo, i.e. no último dia do ano e numa sessão despachada em 16 minutinhos apenas; e,
  • Quinto: sem um pingo de vergonha, i.e., segundo diziam os próprios, a bem da “transparência e do rigor”.

Mais grave, apenas o facto de os próprios protagonistas, revestidos da altivez que caracteriza quem chega ao poder sem estrutura, não conseguirem assimilar o alcance do mal que provocaram a toda a classe.

Foi degradante ver representantes de vários partidos a cotovelarem-se para falar aos órgãos de comunicação social, primeiro para contradizer o que haviam dito e feito; depois, para confundir termos e conceitos, sem um mínimo de noção do alcance da lei, do papel da ECFP, do papel do Tribunal Constitucional, do papel da Autoridade Tributária ou das mais básicas noções do Direito, chegando ao ponto de confundir o papel do legislador e dos tribunais.

Felizmente, clarificou o Sr. Presidente da República, no veto emanado esta semana, que devolvia o diploma ao parlamento, ipsis verbis, com base “na ausência de fundamentação publicamente escrutinável quanto à mudança introduzida no modo de financiamento dos partidos políticos”

Num claro sinal de que não percebeu, nem o veto do Presidente, nem a indignação dos Portugueses, o PCP continua a forçar a promulgação de um diploma que afirma não querer (possível, caso o diploma seja aprovado com uma maioria de dois terços dos deputados com assento na assembleia).

Oxalá os restantes partidos percebam!