Dias antes das eleições presidenciais americanas, no meu feed do Facebook, vi um post que incluía o que parecia ser um excerto de uma entrevista de Donald Trump à revista People em 1998. Segundo o post, Donald Trump teria dito que se alguma vez se candidatasse a presidente dos EUA seria pelo Partido Republicano, já que os eleitores Republicanos eram os mais estúpidos, podendo Trump mentir à vontade pois eles acreditariam. Como detesto Trump e discordo de tudo o que ele diz, este post encaixava como uma luva no meu preconceito. Sem verificar a veracidade do excerto, partilhei um post dizendo: “É isto”.
Costuma dizer-se que o que parece ser demasiado bom para ser verdade é provavelmente mentira. E neste caso foi mesmo assim. Depois de ser avisado por um amigo atento que o post que tinha comentado e partilhado era falso, apaguei-o e fiquei a pensar na minha imprudência e no poder imenso que todos temos hoje de veicular informação, de qualquer fonte, sem qualquer limite ou controlo.
O problema em torno de notícias falsas está a ser um tema quente no rescaldo das presidenciais americanas. Segundo a BuzzFeed, nos últimos três meses de campanha, as notícias falsas mais vistas tiveram maior impacto do que as notícias verdadeiras mais vistas, publicadas por jornais como o New York Times ou o Washington Post.
A convivência entre as redes sociais e as democracias é muito recente e os efeitos desta relação não estão suficientemente estudados e muito menos regulados. Um dos efeitos mais falados diz respeito ao chamado viés de confirmação que consiste na tendência generalizada para apenas nos lembrarmos, interpretarmos ou pesquisarmos informações de forma a confirmar as nossas crenças, convicções ou hipóteses iniciais.
As redes sociais são o veículo perfeito para este viés cognitivo na medida em que, por um lado, os nossos amigos têm tendencialmente o mesmo nível de educação que nós e opiniões e convicções parecidas com as nossas – a denominada “homophily” – e, por outro lado, os algoritmos das redes sociais promovem no nosso feed os conteúdos de que mais gostamos e com os quais mais interagimos – as denominadas “filter bubbles”. Num estudo recente intitulado “Echo Chambers on Facebook”, os sociólogos Walter Quattrociocchi, Antonio Scala e Cass Sunstein demostraram que os utilizadores do Facebook tendem a promover as suas narrativas preferidas, a formar grupos polarizados e a resistir a informação que vai contra as suas convicções.
Ao contrapormos a realidade da internet e das redes socias às tradicionais soluções dos estados de direito democráticos para lidar com a informação, a privacidade e o tratamento de dados pessoais verificamos que existem incoerências gritantes. Quando o Estado quer ter acesso às contas bancárias dos cidadãos para combater a fraude fiscal levanta-se um coro de protestos pela devassa da vida privada! Mas ninguém se ofende com o facto de o Google e o Facebook saberem mais sobre nós do que nós próprios. Para instalar uma câmara de segurança num condomínio é necessária uma decisão por unanimidade dos condóminos – ou seja, é praticamente impossível –, mas qualquer pessoa com um smartphone pode passar o dia a tirar fotografias indiscretas de terceiros e a colocá-las na internet sem qualquer restrição.
Na nossa relação com o Estado, pela herança histórica das monarquias absolutas e das ditaduras, temos excesso de zelo na proteção dos nossos direitos. Mas quem nos protege das curiosidades dos funcionários do Facebook ou do Google? Em que parlamento é decidido quem tem acesso ao nosso histórico de consultas na internet? Quem garante a não manipulação dos conteúdos que lemos? Quem nos protege se Marc Zuckerberg for o Anticristo?
Não sou avesso à mudança. Considero que a internet e as redes sociais são ferramentas extraordinárias para o progresso. Porém, tudo isto é muito recente. Sabemos muito pouco sobre o efeito que esta nova realidade tem no comportamento das pessoas e nos frágeis regimes democráticos. Entretanto, para não cair em vieses de confirmação, vou manter-me informado ignorando as notícias no Facebook e lendo diferentes jornais, de diferentes sensibilidades e países. Aconselho todos a fazer o mesmo.