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Maria Luís de Albuquerque: “O ministério das Finanças não participa na capitalização do Novo Banco”

Maria Luís Albuquerque referiu que o Ministério das Finanças nunca disse ao Banco de Portugal que o capital inicial do Novo Banco não podia ser 5 ou 5,5 mil milhões de euros (valor inicialmente apontado como necessário), confirmando o que disseram quer Luís Costa Ferreira, quer o ex-vice Governador do BdP, Pedro Duarte Neves. O valor de 4,9 mil milhões foi fixado depois da reunião com o ministério das Finanças.
  • Rafael Marchante/Reuters
1 Abril 2021, 11h23

Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças à data da descoberta do problema financeiro do Grupo Espírito Santo que levaram à resolução do Banco Espírito Santo, está a ser ouvida esta quinta-feira na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução e acaba de dizer que nunca estabeleceu “qualquer valor sobre o capital inicial do Novo Banco”, na sequência da questão levantada pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.

Mariana Mortágua partiu de um relato de Luís Costa Ferreira e de Pedro Duarte Neves, ambos do Banco de Portugal à data, sobre uma reunião no Ministério das Finanças na manhã de dia 3 de agosto de 2014 (a resolução do BES foi nesse dia à noite), na qual o Banco de Portugal defendeu que o capital inicial do Novo Banco devia ser entre 5 mil a 5,5 mil milhões de euros, incluindo assim uma almofada de capital.

Tendo depois vingado a versão dos 4,9 mil milhões de euros. Valor este que foi confirmado pela PwC.

Maria Luís confirmou que “achou os 5 a 5,5 mil milhões de euros um valor muito alto, mas frisou também que achou muito alto o valor que foi apurado de 4,9 mil milhões de euros”. No entanto explicou que nunca disse ao Banco de Portugal que o capital inicial do Novo Banco não podia ser de 5 ou de 5,5 mil milhões de euros. O que aliás coincide com o que disseram quer Luís Costa Ferreira, quer o ex-vice Governador do BdP, Pedro Duarte Neves, uma vez que ambos relataram a reunião mas nunca atribuíram a decisão do capital de 4,9 mil milhões ao Governo.

Maria Luís Albuquerque confirmou que o valor inicialmente estimado pelo Banco de Portugal era de 5 a 5,5 mil milhões para a capitalização do banco que saísse da resolução do BES, porque incluía uma almofada, mas que também foi dito pelo supervisor bancário que esse valor era ainda uma estimativa.

“O auxílio de Estado tem de ser dado sempre pelo mínimo. É o que dizem as regras europeias de auxílio do Estado”, sublinha Maria Luís Albuquerque, o que aliás já tinha sido explicado por Pedro Duarte Neves.

O valor da capitalização do Novo Banco dependeu da separação de ativos e passivos do BES e “essa separação de ativos e passivos é feita exclusivamente pelo Banco de Portugal. O ministério das Finanças não participa na determinação do valor de capitalização de um banco”, reforçou a ex-ministra das Finanças do Governo de Pedro Passos Coelho.

O Banco de Portugal, no fim de semana da Resolução do BES, numa reunião com o Ministério das Finanças levou um valor estimado entre os 5 e os 5,5 mil milhões. Numa audição aos responsáveis  do BdP ficou a saber-se que o valor dos 4,9 mil milhões teve o acordo da Comissão Europeia, que defende que a capitalização de um banco em resolução deve ser feita estritamente pelos mínimos.

Também Pedro Duarte Neves já tinha explicado que o cálculo da necessidade de capitalização de 4,9 mil milhões resultou da avaliação dos ativos e passivos que foram transferidos para o Novo Banco, para que este cumprisse os requisitos regulamentares de rácios de capital.

“O Ministério das Finanças não recusa nem aceita valores, não tem capacidade técnica nem competência material para isso – a única decisão do Ministério é aprovar os fundos necessários para emprestar ao Fundo de Resolução”, disse, notando que o empréstimo para cobrir o que o Fundo não tinha era inicialmente de 4,4 mil milhões, mas como houve bancos do sistema a avançarem com empréstimos ao Fundo de Resolução, a injeção pública acabou por ser de 3,9 mil milhões.

“O balanço de abertura do Novo Banco só foi fechado em dezembro desse ano (2014)”, lembrou ainda a ex-ministra do governo do PSD/CDS.

Já na sequência das perguntas do deputado do PCP, Duarte Alves, refere que a linha da troika para os bancos que ainda estava disponível era de 6,4 mil milhões de euros.

Antes tinha explicado a Mariana Mortágua que “não foi discutida a recapitalização pública do BES com o Banco de Portugal”.

“Quem tem competência para aplicar uma medida de resolução é o Banco de Portugal que é a autoridade de resolução em Portugal, segundo uma lei aprovada aqui no Parlamento”, disse a ex-ministra das Finanças.

Na resposta a Duarte Alves, Maria Luís Albuquerque explicou que a opção de recapitalização pública não poupava os acionistas do BES e o custo de capitalização “não saía do Fundo de Resolução, saía do Orçamento do Estado”.

O Estado só seria ressarcido pelo produto de uma eventual venda do banco e as perdas dessa venda seriam pagas pelos contribuintes, frisou.

Recapitalização pública “não foi” equacionada pelo Governo

Mariana Mortágua, do BE, foi a primeira a inquirir Maria Luís Albuquerque e perguntou em que moldes a recapitalização pública foi discutida. “Não foi” discutida, diz Maria Luís Albuquerque. Era algo previsto na lei mas não foi discutido pelo Governo, garante.

“A linha de recapitalização pública estava disponível, isso foi comunicado por mim própria, como esteve disponível até outubro de 2014 quando terminou o comprehensive assessment“, referiu.

A deputada do Bloco insiste no tema citando Vítor Bento que depois de uma reunião com a então ministra das Finanças ficou com a ideia de que não havia vontade política para usar a linha de recapitalização.

Maria Luís Albuquerque clarifica dizendo que foi explicado que os moldes de uma recapitalização “tipo Banif, BCP, BPI” (na altura com CoCo’s) não era possível porque esse enquadramento legal já não estava em vigor. Nessa altura “a capitalização teria consequências para acionistas credores subordinados. Foi explicado que esse enquadramento significava um plano de reestruturação previamente acordado com a DG Comp. Parecia-me difícil que houvesse tempo”, disse.

“Nunca disse se o Estado faria ou não porque nunca me foi perguntado. A  interpretação da vontade política a mim não me responsabiliza”, disse Maria Luís Albuquerque.

A inquirida lamentou ainda a venda falhada do Novo Banco em 2015, “em setembro de 2015 foi lamentável”.

A responsabilidade pela venda era do Banco de Portugal, o Fundo de Resolução só aprovou o procedimento da venda, explicou Maria Luís que disse que na altura lhe foi explicado que havia sete bancos na corrida. “Nada fazia prever que a venda não pudesse ser feita, mas ocorreram factos fora de Portugal – com a Grécia e nos mercados asiáticos”, lembrou.

Mas “aquilo que o Banco de Portugal me disse é que entendia que face ao grande interesse que o processo tinha suscitado, uma vez ultrapassadas estas questões”, o processo poderia avançar ainda dentro do prazo do empréstimo, que era agosto de 2016.

Nem o ministério das Finanças, nem o Fundo de Resolução chegaram a ter acesso às propostas apresentadas em 2015, nem seu conteúdo, para comprar o Novo Banco, porque o processo não chegou ao fim.

Aquilo que decorre das regras é que o banco de transição tem de ser vendido em até dois anos, “mas até é desejável que seja em menos, em três ou seis meses. É um banco sem dono, sem orientação estratégica”, disse a ex-ministra.

Maria Luís Albuquerque referiu ainda que “quando é feita uma resolução, há duas modalidades, ou a atividade do banco é entregue a um banco já existente no sistema (deixa de existir e fica apenas o banco mau), outra hipótese é criar-se uma instituição de transição. “Uma instituição de transição deve existir o mínimo de tempo possível”, frisou.

Sobre o périplo por vários governantes para salvar o grupo que tinha uma dívida de 7,6 mil milhões de euros, relatado por José Honório – que esteve a apoiar o GES, como consultor, antes da Resolução – e em resposta à deputada do CDS, Cecília Meireles, a ex-ministra disse que “aquilo que foi o conteúdo dessa reunião foi uma expressão de uma preocupação com a área não-financeira do Grupo Espírito Santo, cujas dificuldades até estavam a ser prejudicadas pelo ring-fencing [separação do banco], que ia ser preciso fazer um plano de reestruturação e que esse plano teria de ter um apoio institucional do Estado, designadamente com um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos que, presumivelmente, a Caixa não teria interesse comercial em fazer”.

Cecília Meireles recorda que segundo José Honório foi pedido a intervenção do Estado para que a CGD e o BCP financiassem eventuais investidores que comprassem o GES.  Era “habitual” Governo pedir à CGD para investir aqui ou ali? perguntou a deputada.

“No Governo de que eu fiz parte não”, respondeu Maria Luís Albuquerque.

A ex-ministra mais tarde, em resposta ao deputado do PAN, estranhou que José Honório tenha considerado que o problema financeiro do GES punha em risco o BES, e tenha depois aceite ser vice-presidente do banco.

A questão do BES nunca condicionou a saída limpa do programa da troika

A ex-ministra das Finanças rejeitou a ligação entre a chamada saída limpa do programa de assistência financeira, que ocorreu em maio de 2014, e um eventual adiamento de uma intervenção no BES.

“A questão do BES nunca se colocou como condicionando, ou manchando a saída de limpa. Não era possível a ninguém ter essa perceção” à data, disse.

Em maio de 2014 quando essa saída aconteceu, havia “notas de preocupação com o universo do GES”. Mas a “situação do banco estava defendida pelas medidas postas em prática, havia uma almofada de mais de dois mil milhões. O que mudou e fez a diferença na fase final, foram as surpresas feitas à revelia do Banco de Portugal, descobertas pelos auditores”, disse a ex-ministra.

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