Todos sabemos que Marx falhou espetacularmente nas suas previsões. Afinal o capitalismo não “vendeu a corda com que se enforcaria”. Marx não previu que o capitalismo se reformaria a si próprio, criando redes de segurança social, mecanismos contra a concentração e mesmo nacionalizações táticas quando o tiro sai pela culatra.

Também não pensou que os capitalistas incluiriam um número crescente de proletários na classe média pelo acesso ao consumo sem barreiras. Após a Segunda Grande Guerra, e durante quatro décadas, foram mesmo os proletários quem parecia estar a vencer a “luta de classes”, ao conseguirem para si um quinhão crescente dos ganhos das sociedades.

Agora, o interesse em Marx reavivou-se. Porquê? Porque algumas das suas previsões, afinal, estavam corretas. A globalização do capitalismo que antecipou é hoje uma realidade. As barreiras alfandegárias foram quase todas desmanteladas. Ter uma bandeira em cada país é a marca das multinacionais. Todos os países estão dentro do circuito e os mais pobres são agora “emergentes”. Também teve razão quando afirmou que as grandes empresas procurariam incessantemente a garantia de rendas. Embora, na sua versão, ele contemplasse um tipo de rendas ilegítimo obtido através da apropriação indevida da produção alheia.

O que realmente acontece é que, num primeiro momento, o capitalismo é inovador, criador e democratizador de riqueza. Pensemos nos telemóveis, no comércio online, nas viagens aéreas, etc. Mas Marx não se enganou quanto ao “segundo momento”. Depois da disrupção criadora, grandes empresas concentram-se em assegurar rendas. Desde logo os seus CEO são quase todos burocratas que, longe de criar riqueza, acumulam-na.

Há só que pensar em Steve Jobs por oposição a Tim Cook, ambos CEO da Apple. O primeiro definia a empresa pelo lançamento constante de produtos inovadores. O segundo dá à manivela e acumula milhares e milhares de milhões para a própria empresa sem fazer nada de novo. Tem cerca de 250 mil milhões depositados em dinheiro. A sua renda são as patentes que defendem o iPhone.

Estas empresas estão também defendidas por um exército de cúmplices. As consultoras, por exemplo, buscam formas de assegurar que o statu quo se mantém. Os administradores não-executivos (full disclosure – eu sou um deles) estão lá para assegurar que as regras são cumpridas (a famosa governance) e que tudo é incremental, nada radical. Finalmente, há os políticos que se dedicam a regular aquele ou aqueles setores em que viverão na sua reforma.

O país debate as rendas excessivas da EDP e de como Manuel Pinho contribuiu para a sua constituição – as tais que Marx previu e que constituem um ganho ilegítimo às custas do povo. E nem o facto de o Governo ter anunciado que reduzirá em 1.600 milhões de euros os pagamentos nos próximos dez anos (de uns contratados 2.400 milhões) dissuadiu a China Three Gorges de lançar uma OPA sobre a EDP. Claro. O valor da EDP já não está tanto nas rendas de Pinho, antes no Cavalo de Tróia que a EDP é na África lusófona, no Brasil e até nos EUA e na Europa.

Ora aqui está algo que Marx não previu: que seriam comunistas a simbolizar o neocapitalismo rentista sem fronteiras e a contribuir para que, cada dia, o “proletariado” seja mais “precariado” (*).

 

(*) Partes deste texto são uma adaptação livre de um artigo publicado em The Economist