“Corbyn, não é apenas marxista, é leninista” escreve desesperada Clara Ferreira Alves (Revista Expresso, 28SET19). Calculem: “Nacionalização de todos os sectores produtivos e de serviços essenciais e não essenciais, arregimentação das empresas e das pessoas (…), consideração do capital como um inimigo a abater, ilegalização de todas as decisões económicas que desagradem ao Estado. (…). Aumentos dos salários dos trabalhadores, subsídios para todos incluindo os mais jovens apenas por serem jovens, semana de 32 horas, abolição do ensino particular e «elitista», nacionalizações compulsivas (?), um Serviço Nacional de Saúde com medicamentos gratuitos mediante a obrigatoriedade de todas as farmacêuticas produzirem medicamentos baratos, monopólio orwelliano dos sectores intelectuais e científicos, abolição de todas as desigualdades. Ou seja, do rígido sistema de classes britânico.” Quem diria!

Desculpe-se a dimensão da citação com a explosão maximalista e especulativa da expressividade verbal de Clara Ferreira Alves (CFA). Mas tinha de ser. É assim mais fácil desculpar CFA por ter acreditado em Teresa de Sousa (TS) e nos jornais que porfiaram, durante meses/anos, no apoucamento pessoal e político de Corbyn, e do seu apoio no Labour. Valeu a pena CFA ter assistido ao Congresso para, em absoluta contradição com aquelas opiniões, reconhecer que: “Corbyn (…) é um homem astuto, capaz de falar horas sem teleponto, com os factos e os números na cabeça, com uma inteligência política fora do comum (…)”. E disse mais: “A Conferência Labour borbulhava de entusiasmo e aplauso e Corbyn foi entronizado como o chefe incontestável do partido, arredando os blairistas.”

Mais curta, mas não menos desesperada, é Teresa de Sousa (“Público”, 29SET19). Não lhe bastava o Trump e o Johnson (calculem: “educado em Eton e Oxford”) a dar cabo da “democracia liberal” e aparece-lhe pela esquerda o “populista” Corbyn. “À leva das nacionalizações das grandes empresas, Jeremy Corbyn acrescenta a semana de quatro dias, a retenção de 10% do valor das acções das empresas para entregar aos trabalhadores e o fim das escolas privadas.” Mas TS está menos preocupada que CFA. Tal não seria possível porque: “A lei não o permitiria e o custo de integrar 600 mil alunos no ensino público seria incomportável”. Haja deus e a Rainha Isabel II.

As jornalistas ainda não deram por ela, mas o céu está a cair-lhes em cima da cabeça. Custa-lhes a entender a crise do capitalismo. E a crise do sistema político criado e aperfeiçoado para garantir a sua continuidade ad aeternum. Talvez as ajudasse ler o artigo do insuspeito Martin Wolf, principal comentador económico do também insuspeito Financial Times, de 18SET19: “(…) temos cada vez mais um capitalismo rentista instável, concorrência enfraquecida, fraco crescimento da produtividade, grande desigualdade e, não por coincidência, uma democracia cada vez mais degradada. Corrigir isto é um desafio para todos nós, mas principalmente para aqueles que gerem os negócios mais importantes do mundo. A forma como os nossos sistemas económicos e políticos funcionam deve mudar, ou eles perecerão.”

Mas “os negócios mais importantes do mundo” não vão mudar nada. E logo, tem razão CFA: “(…) Corbyn, clamando por eleições, não as deseja agora e tem poucas hipóteses de as ganhar.” A que acrescenta, previdente: “Por enquanto”. Certo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.