Os dias de Theresa May parecem contados. Ao perder a maioria parlamentar que detinha, a primeira-ministra britânica não apenas comprometeu a governabilidade do país, como propiciou ao líder da oposição de Sua Majestade, o mais esquerdista das últimas décadas, um inesperado protagonismo e, porventura, a prazo, as chaves do nº 10 de Downing Street.

O mau resultado eleitoral foi, porém, menos surpreendente do que à partida poderia parecer. Com efeito, Theresa May encarna alguns dos piores defeitos da política, geradores do desagrado dos eleitores, que parecem estar cada vez menos dispostos a aceitá-los. May não se submeteu a eleições pela defesa do interesse nacional, antes por uma ambição desmedida, na expectativa de uma consagração que as sondagens de há alguns meses lhe prometiam.

Além de ambiciosa, a primeira-ministra britânica mostrou-se também oportunista: defensora moderada da permanência do Reino Unido na União Europeia antes do referendo – porventura para cair nas boas graças do seu antecessor, David Cameron –, veio a tornar-se, após a consulta popular, numa das mais férreas defensoras de um divórcio litigioso com a Europa, adoptando, inclusivamente, os mesmos argumentos e a mesma retórica do seu prolixo ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, um feroz defensor do Brexit.

Por outro lado, a sua estratégia de um radical abandono da UE, revela arrogância, pois despreza o facto de quase metade dos britânicos ter votado a favor da permanência do reino na Europa, o que recomendava uma saída branda e amigável, a mesma arrogância que motivou a sua recusa em participar em debates com os seus adversários, pois, em seu entender, as eleições não se destinavam à escolha entre diferentes projectos políticos, mas tão só ao reforço da sua legitimidade.

Mas os erros de May não se ficaram por aqui. Algumas das suas propostas eleitorais colidiram com valores intrinsecamente conservadores, tendência aliás generalizada na direita europeia, demasiado deslumbrada com certas teorias liberais, em muitos aspectos contrárias ao ethos conservador. A chamada dementia tax é um tiro certeiro na instituição familiar, sobretudo na noção de continuidade intergeracional que a herança do património simboliza, mas também no valor da propriedade e a sua associação, precisamente, à ideia de família. May devia ler, ou reler, os escritos de Roger Scruton, filósofo conservador contemporâneo e seu compatriota, que explica magistralmente a íntima associação entre família e propriedade.

Os britânicos decidiram-se, assim, a punir May, sendo quase certo que o partido o fará também. Movidos pelo mesmo oportunismo e ambição que moldaram as suas decisões, os seus pares, enfraquecidos pelos resultados eleitorais, sentir-se-ão tentados a substituí-la por quem lhes devolva a maioria perdida. Conhecido como o “nasty party”, o partido conservador tem pergaminhos no derrube implacável de líderes que lhes comprometam a manutenção no poder.

De facto, bem se pode transpor para os conservadores britânicos o que, nos Estados Unidos, os democratas dizem, jocosamente, dos conservadores americanos: a diferença entre um conservador e um canibal é que este último devora apenas os inimigos. Se os tories derrubaram Margaret Thatcher, uma das suas figuras maiores, com impressionante frieza calculista, menos hesitarão em fazê-lo a uma figura menor como May. É caso para dizer que o feitiço se pode virar contra a feiticeira.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.