No final de 2019, decorreu em Cascais uma conferência sobre o financiamento dos media, organizada pelo Sindicato dos Jornalistas. Na altura, foram publicadas diversas notícias sobre o evento, onde uma questão se destacou: deve ou não o Estado financiar diretamente os órgãos de comunicação social?

Esta é uma questão de grande relevância, na medida em que, como as mesmas notícias salientaram, uma informação plural, independente e livre é essencial ao debate informado que é pressuposto do funcionamento da democracia. Todavia, ao centrar a questão do financiamento dos media no risco de interferência política nas notícias e, portanto, na liberdade face ao poder político, fica na sombra (intencionalmente ou não) uma questão igualmente importante: E a liberdade dos media face a outros poderes, nomeadamente o poder económico?

A liberdade dos media face ao poder económico pode ser analisada pelo prisma da propriedade e gestão das empresas de comunicação social. É para assegurar o controlo dos ‘donos’ dos media que é obrigatório, por exemplo, efetuar o registo dos órgãos de comunicação social junto da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social); publicar a ficha técnica; elaborar, sujeitar a parecer do conselho de redação e tornar acessível ao público o estatuto editorial dos jornais e revistas (em papel e online); sujeitar as operações de concentração de empresas de comunicação social ao parecer da ERC e à autorização da Autoridade da Concorrência; e submeter à ERC o relatório do governo societário das empresas de media que tenham a forma de sociedade comercial.

Todavia, os ‘donos’ dos media não são apenas os que participam no capital das empresas. Eles são também os que, através do investimento em publicidade, têm o poder de controlar os meios financeiros ao dispor das empresas, investindo mais, por exemplo, naquelas cujas publicações os apresentam a uma luz mais favorável. Foi precisamente o reconhecimento deste potencial de interferência dos anunciantes nas decisões empresariais e editoriais das empresas de media que esteve na origem da chamada ‘lei da transparência da propriedade’ (Lei nº 78/2015, de 29 de Julho).

Uma das novidades introduzidas por esta lei é a que diz respeito à transparência da informação relativa aos principais fluxos financeiros das empresas de comunicação social. A lei impõe a estas empresas, no seu artigo 5º, a obrigação de comunicarem à ERC a informação relativa aos principais fluxos financeiros para a sua gestão, a qual deve incluir a relação das pessoas individuais ou coletivas que tenham, por qualquer meio, individualmente contribuído em, pelo menos, mais de 10 % para os rendimentos apurados nas contas, ou que sejam titulares de créditos suscetíveis de lhes atribuir uma influência relevante sobre a empresa. A mesma lei cometeu à ERC a aprovação de um regulamento que fixasse a periodicidade desta obrigação de informação e a natureza dos dados a transmitir à entidade reguladora.

O regulamento aprovado pela ERC (Regulamento nº 348/2016, de 1 de Abril), em vigor desde 2 de Abril de 2016, detalha não só os indicadores financeiros e a informação quanto aos financiadores com peso superior a 10% que as empresas de media têm de comunicar à ERC, mas também a informação quanto às estruturas e práticas de governo das empresas, incluindo os mecanismos de controlo interno. Trata-se de um regulamento exigente para as empresas, quer do ponto de vista da informação a produzir e comunicar, quer do ponto de vista da apreciação do que pretendem ou não divulgar, uma vez que o regulamento prevê exceções à disponibilização pública da informação.

Para facilitar o cumprimento da obrigação de informação, a ERC desenvolveu uma plataforma digital – a Plataforma Digital da Transparência – através da qual as empresas comunicam as informações legalmente exigidas. A informação depositada nesta plataforma permite à ERC disponibilizar ao público o Portal da Transparência, que colige informação muito útil sobre as entidades que prosseguem atividades de comunicação social sob jurisdição do Estado português, em especial sobre a sua propriedade, gestão, atividade e desempenho económico-financeiro.

Ainda assim, nota-se escassez de informação sobre os fluxos financeiros e o grau de dependência das entidades de comunicação social quanto a anunciantes determinados, não sendo claro se tal se deve ao sigilo da informação (ainda que esta tenha sido comunicada pelas empresas de media à ERC), ou à ausência de comunicação desta informação por parte das empresas. De um ponto de vista de cidadania, seria útil haver mais informação sobre a vulnerabilidade dos media ao poder económico, designadamente ao poder dos anunciantes.

O debate sobre o financiamento dos media não pode centrar-se exclusivamente no risco de interferência do poder político nas notícias, sob pena de ignorar, como lhes chamou Pedro Norton em artigo recente (Público, 7/12/2019), outras fontes de “relações de dependência perversas”.