O negócio Altice/Media Capital colocou na ordem do dia o modelo institucional de regulação dos media, como recentemente bem afirmou Arons de Carvalho (Público, 23/12/2017). Esta é uma questão que igualmente nos desafia: o modelo de regulação atual em Portugal, com entidades separadas para media e telecoms, deve manter-se ou deve ser alterado?
Na União Europeia coexistem diversos modelos institucionais de regulação dos media e das telecoms: regulador único para os dois setores (por exemplo, Reino Unido, Itália, Hungria); reguladores separados para cada setor (como em Portugal, Chipre, República Checa); regulação das telecoms integrada na entidade reguladora da concorrência (Espanha, por exemplo); e regulação das telecoms integrada num único regulador para as utilities (Dinamarca, por exemplo).
Em Portugal, a opção tomada em 2004 foi a de ter dois reguladores separados para media e telecom: a ERC, centrada na garantia da liberdade de informação e de expressão, do pluralismo e diversidade, da transparência e independência dos media perante os poderes económico e político e na salvaguarda e proteção de públicos sensíveis; e a ANACOM, focada no desenvolvimento dos mercados de comunicações, na garantia de acesso dos operadores de comunicações às redes, em condições de transparência e igualdade, na atribuição dos títulos de exercício das atividades de comunicações, e na salvaguarda da gestão do espetro radioelétrico e da numeração no sector das comunicações.
Comum às duas entidades é a proteção de interesses públicos relacionados com o acesso a diversidade de informação e conteúdos audiovisuais, difundidos por operadores em mercados competitivos, a preços baixos para os consumidores.
Para além destas duas entidades existe a Autoridade da Concorrência, a quem cabe a avaliação de operações nestes setores que possam pôr em risco o funcionamento eficiente dos mercados, a afetação ótima dos recursos e os interesses dos consumidores. No âmbito do controlo de concentrações, como é o caso do negócio Altice/Media Capital, a Autoridade da Concorrência tem de articular com as autoridades reguladoras sectoriais, solicitando-lhes parecer sobre a operação antes de tomar uma decisão final.
As posições da ERC e da ANACOM no contexto da proposta de aquisição da Media Capital pela Altice salientam a urgência de avaliar o modelo institucional de regulação dos media e telecoms: a ERC, tendo elencado os riscos da operação e apontado que a mesma não permite antever benefícios em prol do pluralismo no sistema mediático português, não emitiu um parecer conclusivo, por ter falhado o consenso entre os membros do respetivo conselho regulador; já a ANACOM, tendo apreciado os riscos inerentes à operação e assinalado que não foram especificamente identificados benefícios da mesma, concluiu que a operação não deveria ter lugar nos termos propostos.
Este desfecho é bem ilustrativo dos custos inerentes ao desenho institucional da regulação, em particular dos custos de incoerências ou ambiguidades regulatórias, suportados pelos regulados e bem evidentes no caso concreto.
Há alternativas ao modelo vigente de regulação separada que poderiam mitigar estes custos: uma alternativa mais soft seria a obrigatoriedade de constituição de uma comissão comum à ERC e à ANACOM, assente num acordo de cooperação reforçada e integrando membros das duas entidades, de modo a assegurar a emissão de um parecer conjunto (ou de pareceres separados mas consistentes entre si) que ponderasse na sua globalidade os riscos de determinadas operações para os interesses públicos. Uma alternativa mais hard seria a fusão das duas entidades reguladoras sectoriais numa única entidade de regulação para os media e telecoms, podendo incluir também a regulação da internet.
Qualquer uma destas duas alternativas tem limitações: uma maior integração da tomada de decisão requer recursos humanos altamente especializados; há economias de escala que se podem perder nas matérias específicas de cada sector; e coloca-se ainda a questão da distribuição de poder entre áreas sectoriais, quer numa comissão comum, quer numa alternativa de regulador único.
Todavia, são alternativas que têm vários pontos fortes: fortalecem o poder das entidades de regulação perante os regulados, minimizando assim problemas de captura; facilitam a formação de equipas de recursos especializados (advogados, economistas, engenheiros) que potenciam a qualidade da decisão; criam consistência na decisão, minimizando para os regulados os custos de lidar com a ambiguidade e permitindo a construção de princípios e normas mais uniformes; e permitem uma abordagem mais integrada a uma realidade complexa, contribuindo para a qualidade da tomada de decisão em matérias cruciais para a vivência da democracia.