Dadas as estatísticas mundiais relativamente à evolução da pandemia provocada pelo SARS-CoV2, e as medidas de contenção tomadas, restam poucas dúvidas de que o afastamento social é fundamental no combate à propagação desta doença.

No que diz respeito à resposta médica, a disponibilidade de muitos ventiladores e de equipamentos de proteção individual para os funcionários são as melhores formas de se maximizar a probabilidade de cura dos doentes e de salvaguarda do pessoal hospitalar.

Hoje, ainda subsistem muitas incertezas quanto à evolução desta pandemia. Em particular, falta perceber quão rápida e sólida será a imunização dos curados, como reage o vírus à subida da temperatura com o avançar da Primavera, quando surgirá uma vacina (com que eficácia e com que custo) e se o vírus se vai mutar e tornar mais letal quando chegar o Outono.

Em todo o caso, sabemos que o regresso à normalidade pré Covid-19 não será possível enquanto não se encontrar uma vacina. Mais, mesmo que encontrada uma vacina, pode ser cada vez mais provável a propagação de novas doenças, tal é o grau de interconectividade entre os seres humanos num planeta globalizado. Assim, uma das soluções estruturais pode passar por se encontrarem novas formas de interdependência, com menor exposição a riscos pandémicos.

Nesse sentido, e ainda num clima de dúvida, e no meio da batalha, temos que pensar em medidas para um futuro próximo, e mais distante, que tornem a vida social e económica compatível com esta nova realidade.

Assim, proponho o seguinte:

1. Criar as condições para que o teletrabalho passe a ser a realidade definitiva das profissões onde tal for possível. Por inércia natural das instituições, muitas profissões são feitas presencialmente quando já podiam ser feitas à distância, dadas as possibilidades tecnológicas. Pense-se nas inúmeras profissões administrativas, nas tarefas de computador e nas reuniões tidas por titulares de diferentes graus de responsabilidade (desde juízes a gestores, passando por bancários, designers ou jornalistas) ou nos trabalhos intelectuais que podem ser feitos a partir de casa.

Esta opção pelo teletrabalho aliviaria as cidades (e os seus centros), daria mais espaço para a construção/ocupação habitacional (por desocupação dos escritórios), pouparia tempo e recursos nas deslocações casa-trabalho-casa, melhoraria o ambiente e promoveria negócios locais de serviço às pessoas nas actuais cidades dormitório e no interior do país.

Mais, o teletrabalho deveria ser implementado, à cabeça e como exemplo, ao nível dos organismos públicos e políticos, permitindo que se desfizesse a concentração funesta e injusta na cidade de Lisboa, concretizando uma verdadeira democratização no espaço.

2. Intensificar os serviços de entrega ao domicílio. Com a imposição do confinamento domiciliário, muitos têm optado por estes serviços, nomeadamente de compras domésticas, mas também de electrónica ou de roupa.

É possível a sociedade organizar-se, cada vez mais, de forma a fazer os produtos chegarem a casa das pessoas e não as pessoas aos produtos. De centros comerciais, passaríamos a centros de logística que encontrariam (com a ajuda de modelos matemáticos) a melhor forma de distribuir as encomendas pelos clientes residenciais.

Isso obrigaria, também, a uma reafectação dos trabalhadores, que passariam das lojas para os centros logísticos. Ao mesmo tempo, daria um novo impulso ao comércio de proximidade, que poderia mais eficientemente fazer as entregas nos domicílios das redondezas (desde o pão, aos medicamentos, passando pelo jornal ou flores, com elevado nível de personalização).

3. Aprofundar os serviços de apoio à distância. Muitos serviços que são hoje prestados presencialmente poderiam ser feitos à distância, com ganhos em termos de tempo, custos e até eficácia. Serviços médicos, legais, burocráticos, bancários ou postais podem ser prestados através da internet. Isso implica a transição para o digital de muitos processos, mas esses custos iniciais teriam ganhos futuros mais que compensadores.

No caso da saúde, não só há muitas consultas que já se fazem muito eficazmente à distância (mesmo na saúde mental), como há outras que poderão passar a ser feitas, desde que cada cidadão disponha dos dispositivos adequados (ex. relógios inteligentes que fazem electrocardiogramas). Também as burocracias estatais podem e devem ser digitalizadas, com ferramentas digitais de segurança, permitindo que diversos registos públicos possam ser feitos online.

O tipo de interacção online que já é possível com a Autoridade Tributária (onde se pode pagar impostos a partir de casa) tem que ser aprofundado e implementado em tribunais, cartórios, notários ou municípios.

4. Acabar com o dinheiro físico. O dinheiro físico implica um custo desnecessário, é uma ineficiência relativa (face ao digital) e uma oportunidade para o crime. Já estamos muito atrasados neste processo. Nos anos 50 do século XX já havia economistas a defenderem o fim do dinheiro físico, por substituição pelo digital. Hoje, não faz mais sentido que esse meio de pagamento exista, que até se transforma numa forma de propagação de doenças em tempos pandémicos.

Isto significa que todos os cidadãos teriam que ter meios de pagamento digitais gratuitos e que todos os serviços só aceitariam esse meio de pagamento. Tal medida, ainda, por muitas cryptocurrencies que existam, dificultaria a lavagem do dinheiro e a fuga ao fisco, e facilitaria os cálculos tributários.

5. Aumentar muito significativamente as taxas e/ou impor quotas turísticas. Entre os grandes responsáveis pela propagação da Covid-19 estão os fluxos turísticos. Não é por acaso que Itália e Espanha foram altamente afectados por esta pandemia, uma vez que são das grandes potências turísticas mundiais, recebendo, anualmente, milhões de pessoas de todo o mundo. Já antes da pandemia os locais se queixavam da pressão que o turismo causava nas cidades e das injustiças e disrupções consequentes.

Para que possa continuar a haver turismo, mas em segurança, teremos que adoptar políticas de contenção dos fluxos. Isso consegue-se impondo quotas ou taxas sobre esses fluxos (ex. no Butão tem que se gastar um mínimo de 250 dólares por dia por pessoa, para se poder visitar aquele país. Penso que Portugal poderia cobrar mais).

6. Equipar o nosso sistema de saúde com reservas de pessoal e equipamento que possam responder a este tipo de surtos, mesmo que fiquem em subaproveitamento nos períodos não pandémicos. Chama-se prevenção e cautela.

Para além disto, terão que ser encontradas formas de coordenação e cooperação internacionais (a começar dentro da UE, apesar dos sinais negativos que até agora têm existido, dadas as atitudes e promessas dos diferentes países da União), com compromissos democráticos que entendam que as pandemias (assim como o ambiente) são problemas de gestão global, que só com políticas globais serão solucionados. Caso contrário, as pandemias cíclicas e frequentes, e as subsequentes crises económicas, passarão a ser a norma.

Nota final: no processo de transição digital, teriam que ser acautelados os direitos dos infoexcluídos (por questões etárias ou financeiras); no que toca à educação, convém que continue em sistema presencial, para que as pessoas em teletrabalho possam operar sem ter que, ao mesmo tempo, cuidar dos filhos em casa.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.