O feminismo extremista, a visão infantil do fenómeno migratório e outras causas avulsas arregimentaram para o Livre um pequeno exército citadino, em Lisboa, mas não lograram construir um núcleo de um partido que fosse além da figura do seu fundador, o historiador Rui Tavares. O resultado é a impreparação da deputada Joacine Katar Moreira e o extraordinário gabinete que dela descende.

Nos últimos dias têm-se sucedido os episódios insólitos que mostram a artificialidade do Livre, criado pela necessidade pessoal de Rui Tavares após o divórcio com o Bloco de Esquerda.

O atraso na apresentação das propostas que o partido, através de Joacine, queria fazer à Lei da Nacionalidade resulta deste caldo de “modernidade” pouco dado às agruras do trabalho. Idem para a abstenção da deputada, em choque com o posicionamento da direção do Livre, numa votação de “condenação da nova agressão israelita a Gaza e da declaração da administração Trump sobre os colonatos israelitas” (palavras do PCP).

O caleidoscópio de cenas diversas, como a segurança à deputada no interior do Parlamento a pretexto de a proteger de perguntas de jornalistas, é cada vez mais extraordinário. Já não seria surpresa ver brevemente Rui Tavares, que manteve o lugar no Parlamento Europeu depois de sair do BE, a ter de beber do seu próprio veneno. Não foi por acaso que a deputada Joacine se lembrou de dizer que os votos do Livre nas últimas eleições legislativas foram obtidos por ela…

Esta realidade mediática do Livre, além de manter ocupada a comunicação social, encerra a dimensão de nos lembrar como o voto está débil neste momento, e não apenas em Portugal.

Os partidos tradicionais, reféns dos seus beneficiários instalados, ou ignoram problemas graves (como aqueles que, na direita, dão espaço ao Chega) ou embrulham-se, como é o caso do PS, em proximidades temáticas contagiantes com a extrema-esquerda, de onde agora desertou o célebre Mamadou Ba, o dirigente do SOS Racismo, ex-assessor parlamentar do BE, que chama(va) a polícia de ‘bófia’.

O sistema partidário, democrático, está em crise um pouco por todo o lado e é por isso que não me consigo divertir nem sequer com a caricata autodestruição do Livre. Esta mediocridade geral é o pano de fundo de uma sociedade frágil, sujeita a impulsos vários, artificialmente induzidos, que vão gerando fenómenos partidários variados e debilitando as forças tradicionais.

O centro ficou refém dos interesses, das clientelas, dos negócios, da corrupção. Onde antes havia gente a fazer política, reconhecem-se agora inúmeros traficantes de influências a exercerem a céu aberto. Trabalham para criminosos assinalados que vão escapando à prisão. É neste quadro que o extremismo cresce, de um lado e do outro, sem critério e sem, sequer, densidade política e/ou pessoal.

Joacine gagueja banalidades que já esgotaram a capacidade de sedução. André Ventura admite que, num canal de televisão, o moderador de um programa de futebol, exasperado, lhe berre de forma tresloucada. E fora do circo político, para não destoar, nas audições do ‘caso José Sócrates’, o seu ‘benfeitor’, Carlos Santos Silva, diz ao juiz que era habitual andar com dinheiro vivo para fazer face aos imponderáveis que os negócios sempre acarretam – ou seja, pagar comissões e outras ilegalidades já socialmente aceites sem pudor.

A sociedade portuguesa está cada vez mais doente, povoada de gente menor e em territórios diversos. Como raio teremos chegado aqui?