O Tribunal da Relação do Porto desmentiu Rui Rio: a Justiça portuguesa não é dominada por um “corporativismo fechado”. E, assim sendo, ouvido o clamor público e as críticas generalizadas aos dois polémicos acórdãos do juiz Neto de Moura sobre violência doméstica, transferiu o magistrado da secção criminal para a cível. Ele deixa de julgar processos semelhantes aos que geraram indignação. É uma decisão rápida e corajosa, que acontece a contento de todos os intervenientes, para restaurar a confiança dos cidadãos no sistema.

Quanto a corporativismo estamos conversados, sobretudo depois das múltiplas reações que deixaram isolado Neto de Moura e a ideia que ele tem da relação homem-mulher. Mas, ainda quanto a corporativismo, podíamos acrescentar em direção ao obcecado presidente do PSD: assim reagissem os políticos, com esta prontidão exemplar, quando quem está em xeque são eles próprios, as suas regalias e os seus comportamentos – que chegam a fazer descrer os cidadãos dos méritos da Democracia.

Vale a pena voltar ao tema: Rui Rio tem um projeto de tutela política sobre a hierarquia dos procuradores e a relação de forças no interior do Conselho Superior do Ministério Público. O tuíte a propósito de Neto de Moura só tem a ver com isso. E essa cruzada funda-se naquilo que ele entende ser a sistemática violação do segredo de Justiça e o papel da comunicação social. Nem o PS, fustigado pelos casos que se conhecem (ou até por isso mesmo…), consegue ser tão explícito naquilo que pretende para o futuro do quadro em que se movem a  investigação e a atividade dos procuradores e dos juízes.

E, no entanto, esta ideia generalizada sobre a violação do segredo de Justiça é falsa. Ela só tem algum acolhimento entre as claques de apoio aos mais destacados sem-vergonha do sistema político-económico que se desmoronou com a chegada da crise e da troika. A esmagadora maioria dos portugueses não se queixa do escrutínio mediático a quem rouba o Estado e a economia, principalmente se são pessoas que aceitaram o desafio de gerir a República. Queixa-se, isso sim, da morosidade e custo do funcionamento do sistema e da sua falta de meios para investigar, algo que tem muito a ver com as decisões de governantes e dos partidos que os fornecem, como o PSD.

Talvez Rui Rio entenda, por exemplo, que Salvador Malheiro, o operacional que brilhou nas eleições internas do partido e hoje é seu vice-presidente, daria um bom representante da política no CSMP, indicado por uma qualquer quota alargada de um futuro parlamento. Mas é desse corporativismo que é necessário ter medo, porque ele não indiciaria nada de bom para o sistema de Justiça e para a independência do Ministério Público.

 

Alguém amigo deveria, agora, dizer ao juiz Neto de Moura que não faz sentido processar Ricardo Araújo Pereira. O humor só se combate com humor. Se insistisse na sua deslocada visão da honra, iria ter o país à porta, para desprestígio do Tribunal. Perderia sempre, qualquer que fosse a decisão de outro juiz; e com ele perderia a Justiça. Não quer isso, pois não?