Com a pandemia a dominar por completo os telejornais diários, passou quase despercebida uma decisão que poderá ter consequências futuras para centenas de governos. Tudo começou há dois anos, quando quatro ONG (Greenpeace France, Oxfam France, Notre Affaire à Tous e Fundación por la Naturaleza y el Hombre) colocaram o Estado francês em tribunal por não cumprir com os compromissos assinados na luta contra as alterações climáticas.
Agora, o Tribunal Administrativo de Paris deu razão às ONG e acusou o Estado gaulês de ser “responsável” pelo incumprimento dos acordos assumidos. Esta decisão pode fazer jurisprudência para outros casos similares apresentados em outros países e tem um relevo ainda maior quando a própria União Europeia, a cujo conselho Portugal preside neste primeiro semestre de 2021, tem como um dos seus objectivos mais próximos ver aprovada a Lei Europeia do Clima.
Não foi por acaso que as ONG gaulesas consideraram a decisão do Tribunal Administrativo de Paris “a primeira vitória histórica para o meio ambiente”, curiosamente um triunfo obtido no país onde o seu próprio Governo pretende promover um projecto de lei para punir o “delito de ecocídio”.
Apesar de o Tribunal Administrativo de Paris não ter apresentado punições concretas ao Estado gaulês (o que acontecerá em dois meses caso não sejam respeitadas as recomendações judiciais), esta “vitória moral” das ONG poderá ser determinante na luta futura contra as alterações climáticas e deverá servir de reflexão a governantes de todo o mundo e em particular na Europa.
Como salientou a actriz Juliette Tresanini, uma das apoiantes das ONG, “a partir de agora as vítimas das alterações climáticas em França poderão reclamar compensações ao Estado”. Em simultâneo, esta decisão judicial obriga a que o próprio Estado seja um actor muito mais activo na luta contra as alterações climáticas, já que vai exigir decisões mais enérgicas e firmes em relação à protecção do meio ambiente.
Numa altura em que o Green Deal “é a nova estratégia de crescimento para a Europa”, como referiu a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma estratégia que pretende transformar a economia europeia numa economia sustentável, a decisão do Tribunal Administrativo de Paris poderá fazer com que as metas pretendidas pela União Europeia sejam ainda mais exigentes para alguns governos.
Não podemos ignorar que o Green Deal promete revolucionar por completo a estrutura energética europeia nos próximos anos, fruto do desejo da União em ser neutra em carbono em 2050, e que exigirá à maioria dos Estados-membros um novo modelo económico, um modelo mais sustentável do que o actual, assente nas energias limpas e em novos vectores como o hidrogénio, na eficiência energética, na inovação e na digitalização.
Essas mudanças de paradigmas jamais são pacíficas e trazem consigo conflitos na sua implementação. A recente decisão do Tribunal Administrativo de Paris, comemorada um pouco por todo o mundo pelos defensores do meio ambiente, mais não faz do que aumentar a pressão sobre os governos europeus. Isso se não quiserem estar constantemente em lutas judiciais amparadas por este precedente da justiça francesa.
Ainda é cedo para avaliarmos as reais consequências da “primeira vitória histórica para o meio ambiente”, mas esta decisão dificilmente passará em branco e sem acarretar ilações futuras. Seja na Europa, seja no mundo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.