Quando se discute o défice nas contas públicas nacionais há a tendência para focar dois pontos. Primeiro, qual o montante de défice ideal – uns concordando com as regras europeias, outros achando que tais limites são demasiado apertados. Segundo, qual a forma de atingir um determinado valor para o défice (ou superavit) – uns preferindo cortar nas despesas e manter as receitas; outros preferindo não cortar na despesa, mas aumentar as receitas. Depois, há ainda a discussão sobre que despesas cortar ou que receitas aumentar.
No plano governamental e parlamentar, esta discussão tende a ser muito técnica, ligada às especificidades do Orçamento do Estado e das contas públicas, faltando, muitas vezes, uma discussão mais estrutural.
Não é admissível que Portugal tenha défices nas suas contas públicas desde que se tornou democracia. Não é sustentável uma nação viver em permanente défice (a não ser que se tenha acesso ilimitado ao crédito, como os EUA, porque são a maior potência militar mundial).
Se é verdade que Portugal necessitou de um esforço financeiro grande para sair de uma situação de atraso económico causado pela ditadura tardia a que esteve submetido durante, aproximadamente, 50 anos, muitas das dificuldades financeiras actuais já não encontram aí justificação.
Olhando para o problema de um ponto de vista estrutural, para além do envelhecimento populacional e falta de produtividade do país – causada pela má gestão privada e pública das actividades económicas – há uma fatia muito grande do nosso défice que tem uma explicação simples: o roubo.
Esse roubo tem duas origens:
1. Receitas que não são cobradas – ora por ineficiência do fisco, que tantas vezes deixa prescrever dívidas fiscais; ora por esquemas de corrupção – que permitem a certos agentes eximirem-se às suas obrigações fiscais; ora por leis mal desenhadas – que permitem aos advogados fiscais encontrar caminhos para a impossibilidade prática de os seus clientes pagarem impostos;
2. Despesas desnecessariamente exacerbadas – ora por corrupção, ora por negligência/incompetência dos representantes estatais. São exemplos desses agravamentos na despesa os contratos entre o Estado e os privados, em que os privados ficam com os benefícios garantidos e o Estado com os riscos (vejam-se as PPP rodoviárias, na saúde, ou na exploração energética), ou situações em que o Estado paga muito quando podia pagar pouco (má escolha de fornecedores e prestadores de serviços, avenças e consultadorias inúteis, por cumplicidades impróprias, ou desmazelos na perscrutação de quais os verdadeiros gastos do Estado e a avaliação de alternativas).
Para combater estes roubos, são necessários diversos instrumentos: indivíduos competentes na gestão dos dinheiros públicos, leis mais penalizadoras da corrupção e facilitadoras da acusação desses actos corruptos e entidades fiscalizadoras da gestão do dinheiro público que actuem celeremente – e não passados dez anos, como tantas vezes acontece com o Tribunal de Contas.
O maravilhoso do ataque ao roubo é que dispensa debates ideológicos. Fora aqueles que pensam que roubar o Estado é moralmente correcto, combater a fraude fiscal, a economia paralela e os desperdícios do Estado são acções que conseguiriam pôr Portugal a ter, rapidamente, superavits das contas públicas e, por inerência, a diminuir a dívida.
Depois, podia entrar-se no debate ideológico sobre se devíamos diminuir ou aumentar os impostos, e que impostos, pagar mais ou menos aos funcionários públicos, e com que sistema de incentivos, aumentar ou diminuir as reformas, ou gastar mais ou menos com o SNS.
Uma coisa é certa: não temos economia que sustente tanto roubo, e combatê-lo é a verdadeira reforma estrutural de que Portugal necessita.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.