Com a morte do ator sueco Max von Sydow esta semana, um titã da sétima arte que ganhou notoriedade internacional pela sua participação nos filmes de Ingmar Bergman, é justo que se relembre um dos seus filmes mais icónicos, “O Sétimo Selo”, no papel memorável de cruzado que regressa da Terra Santa a um país devastado pela peste negra, incapaz de reconciliar a sua fé com o silêncio de Deus.

Enquanto tenta fintar literalmente a Morte com um jogo de xadrez, as suas viagens levam-no a testemunhar o medo palpável entre os pobres e os mais humildes. Não deixa de se interrogar pelo sofrimento dos habitantes que estão a ser ceifados pela doença letal, dando origem a um fervor religioso que os leva a temer a chegada do Apocalipse.

O entrelaçar do subtexto religioso e filosófico dá origem a uma poderosa obra-prima que nos recorda a mortalidade, não deixando de tecer uma descrição alegórica e metafórica da época medieval, em vez de se preocupar com o rigor da reconstituição histórica.

“O Sétimo Selo” não foi a única obra a usar uma praga ou peste para expressar as suas preocupações existencialistas. “A Praga” de Albert Camus é provavelmente a obra literária mais citada por estes dias tão marcados pela epidemia do Covid-19, que na verdade recorre aos episódios históricos dos vários surtos de cólera que dizimaram a cidade argelina de Oran, dando origem a uma parábola literária que nos confronta com a morte e que se mantém relevante nos dias de hoje.

“Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago, é também uma obra de referência, em particular a sua abordagem de um governo impotente e burocrático num mundo onde todos perderam o compasso moral e os fortes exploram os fracos, focados na luta pela sobrevivência. A violência que abala o mundo cego dos protagonistas é uma das muitas consequências do colapso da ordem social.

Dito isto, os contadores de histórias já encontraram inúmeras formas de expressão no passado para nos ensinar a lidar com a angústia de uma situação em que somos impotentes para travar a dança macabra na cena final de “O Sétimo Selo” ou o desmoronar de uma sociedade face a uma praga silenciosa. Algumas das obras são lidas ou vistas como avisos, uma antecipação do que pode acontecer, mas temos o poder de escrever a nossa própria história neste momento.

À medida que nos mobilizamos enquanto indivíduos com responsabilidade social e moral para combater coletivamente esta nova praga dos nossos tempos, o Covid-19, importa pôr de lado diferenças ideológicas e insurgirmo-nos contra aqueles que pretendem instrumentalizar esta epidemia para fins políticos, financeiros, comerciais ou bélicos. Entrámos em águas não cartografadas, a enfrentar a incerteza e o desconhecido, e todo o cuidado é pouco para não fazer as peças desabar com estrondo, lançando-nos no precipício.