Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu irão exigir maior disponibilidade para equilíbrios entre os partidos tradicionais do centro político, e uma maior resistência a maior integração dentro da União Europeia (UE). Na realidade, os receios maiores relacionados com uma acentuada e decisiva ascensão dos partidos mais populistas e eurocéticos não se verificaram, tendo na prática vencido os grupos de partidos com matriz mais europeísta e de centro.

O Partido Popular Europeu (PPE, onde está inserido o PSD) foi o partido mais votado e elegeu 178 deputados, enquanto o Socialistas e Democratas (S&D, onde está inserido o PS) elegeu 152 membros. Por fim, a Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) obteve 108 lugares (mais 40 lugares do que atualmente), enquanto o grupo dos Verdes Europeus elegeu 67 representantes, mais 15 assentos, tornando-se no quarto maior grupo do Parlamento Europeu.

Por outro lado, se os europeístas do centro político aguentaram este embate, a verdade é que a conjuntura tradicional se alterou, sendo a maioria agora mais fragmentada. Os dois maiores grupos parlamentares do centro (PPE e  S&D perderam, no seu conjunto, 74 deputados) já não detêm o controlo maioritário do Parlamento, o que exigirá mais negociações e prováveis alterações à rota atualmente traçada de promover mais reformas em prol de uma maior integração fiscal. Ou seja, há politicamente menos espaço para populistas, mas também há menor ímpeto europeísta.

Apesar da amostra portuguesa, estas foram das eleições mais participadas de sempre na UE

Conforme era esperado, os europeus deram maior expressão a estas eleições europeias, por todo o enquadramento extraordinário em torno da ascenção do euroceticismo nos últimos anos. A participação do total dos países da União Europeia foi a mais alta dos últimos 20 anos, ultrapassando ligeiramente os 50% (50,82%), quase dez pontos percentuais acima dos 42,6% obtidos em 2014.

Uma resposta importante do eleitorado, que confere uma maior validação à nova configuração do Parlamento Europeu, mas que não foi homogénea em todos os países, como é o caso de Portugal, onde se registou uma abstenção elevadíssima (68,6%), salientando que o alheamento dos portugueses às emergentes questões europeias continua a ser significativo.

Menores preocupações com a estabilidade intracomunitária

Sem uma crise económica em vista, a pressão para uma agenda política de reformas na União Europeia reduziu-se significativamente nos últimos tempos, e com as preocupações que os principais países da UE têm neste momento a nível local, será expectável que os maiores consensos no Parlamento Europeu se fechem em torno dos “níveis mínimos de serviço” e evitem avançar com medidas mais estruturais e polémicas junto dos seus eleitorados.

Uma das medidas que pode servir de exemplo é o trabalho em  prol de um orçamento mais europeu e abrangente, que pudesse ser um complemento aos instrumentos de política monetária europeia do Banco Central Europeu (BCE) e ajudar na convergência dos países do Sul, como Portugal. Uma ideia que tinha um forte cunho político do presidente Francês Emmanuel Macron, mas que na sequência dos resultados em França, onde perdeu para os eurocéticos da Frente Nacional, poderá vir a perder alguma tração. O mais provável neste campo será a manutenção de um orçamento mais contido, e dedicado a apoiar o investimento, em vez de se centrar na estabilização das economias periféricas ou em dificuldades.

As preocupações ambientais são mais centrais do que se pensa

Outra curiosidade está associada aos temas que os europeus mais valorizaram durante a campanha e que mostra que, neste momento, a União Europeia tem menos espaço para promover mais reformas estruturais ao ritmo desejado.

Em muitos países, o tema da integração acabou por passar ao lado da agenda dos eleitores, quando comparado por exemplo com questões ambientais, como as alterações climáticas ou temas relacionados com os movimentos migratórios. E isto materializou-se através de uma votação muito significativa em partidos com agenda ambientalista (ao qual o português PAN não será exceção, não obstante a sua especificidade de causa animal), que transformou o grupo de partidos “Verdes” no quarto maior grupo do Parlamento Europeu.

Brexit vence em Inglaterra novamente

Com o processo de saída do Reino Unido em curso, acabou por ser considerada a admissibilidade deste país para as eleições do Parlamento Europeu, tendo vencido o partido recém-formado por Nigel Farage, com 31,7% dos votos e 29 lugares no Parlamento Europeu. O partido do Brexit tem um mandato simples: levar a cabo a saida do Reino Unido da UE, com ou sem acordo.

Itália em colisão com a Comissão Europeia

O aumento do apoio dos partidos da direita eurocética em Itália pode também ser um travão a medidas de maior integração, sobretudo pelos recentes embates relativamente ao compromisso orçamental, que os transalpinos querem ver revisto, como forma de mitigar a estagnação económica. Por um lado, a Comissão Europeia está expectante para ver de que forma a narrativa política do líder da Liga, Matteo Salvini, irá casar com os acordos definidos por Bruxelas, uma vez que o recém-vencedor das eleições europeias em Itália voltou a prometer novos cortes de impostos. Esta esperada colisão de interesses faz com que muitos países – sobretudo no norte da Europa, tendam a esperar para ver. Afinal, Itália é um país demasiado grande para ignorar, sobretudo se o risco de saída deste país da União Europeia, e do euro, se tornar particularmente relevante.

Bottom’s up: encruzilhada de difíceis equilíbrios políticos

Apesar da resiliência do centro político europeísta que saiu das últimas eleições, a consensual agenda de uma União Europeia mais integrada e reformada pode estar em risco. No mínimo irá exigir uma série de equilíbrios e acordos inovadores que permitam algum ímpeto de integração. O teste poderá surgir já em junho, com a discussão do pacote de integração fiscal da zona euro – um dossiê que está a ser discutido pelos ministros das Finanças da zona euro – e que, à luz da nova correlação de poderes, poderá sofrer alterações, ou mesmo estagnar. E a discussão em torno da viabilidade da União Europeia poderá reacender alguns velhos fantasmas, estando à cabeça, por exemplo, qual a capacidade real do BCE para, sozinho, fazer face a uma nova situação de crise.

Dito isto, a formalização dos interesses das diversas forças agora eleitas – e que não se restringirá ao Parlamento Europeu – estará mais centrado no debate dos europeístas em confronto com os eurocéticos. O debate sobre as reformas estruturais na zona euro, onde se adivinham também tensões relacionadas entre interesses da Europa periférica e da Europa do centro do euro, poderá ganhar outra dimensão, exigindo capacidade de negociação mais atenta e de maior latitude do que nas últimas décadas daquela que tem sido a Pax Europa.