Apesar do momento de forte perturbação política que o país vive, ao reler numa edição do “Expresso”, do passado mês de Agosto, uma entrevista feita ao Engº. José Manuel Fernandes, atual Presidente do Conselho Geral da AEP – Associação Empresarial de Portugal, encontrei bons motivos para neste “enterim” tecer algumas considerações que mexem com questões também estruturais.

Pelo facto de há muitos anos ter tido a oportunidade de ter contactos com o projeto Frezite, de que este empresário foi fundador, considerei relevante extrair algumas das considerações expressas nessa entrevista, com a quase certeza – e com as mudanças que o tempo decorrido determinou – de que a essência do pensamento passado do empresário em causa se mantém bem atual. Comprovando assim que, havendo empresários que desde sempre apresentaram uma mentalidade aberta na organização, gestão, inovação e liderança, continuam a existir outros a quem ainda falta percorrer todo esse caminho de valor acrescentado.

E o que foi dito de relevante nessa mesma entrevista?

Desde logo manifestou-se a preocupação pelo país estar a perder muitos jovens qualificados e mesmo talentos, para os quais se deve criar uma política de incentivos (v.g. fiscais), como foi o caso citado de Espanha. E mais foi referido que as empresas têm de abrir as portas aos jovens para estágios, considerando que é justificável a existência, mesmo em excesso, de licenciados numa empresa como forma “de libertar talentos”, e de contribuir para os níveis de produtividade e de competitividade numa era de digitalização e de globalização.

Parece ser essa agora a orientação subjacente no Orçamento do Estado em aprovação, ainda que de uma forma tardia e porventura insuficiente.

Claro que esta abertura exige um perfil mais estratégico por parte do empresário e, aqui, José Manuel Fernandes considera que o contexto em que se movem as empresas atualmente nada tem a ver com o que passava há 20 ou 30 anos. Está, pois, convicto de que as empresas comecem a recrutar mais jovens qualificados para assim assegurar o futuro, convencido de que o Governo lance consistentemente, e a vários níveis, medidas suficientemente atrativas para superar este constrangimento.

E aqui reside, para mim, uma evidente expectativa ou dúvida, se quiserem, designadamente no comportamento das empresas de pequena e média dimensão que, afinal, constituem o grosso do tecido empresarial português.

Desenvolvendo a questão do novo perfil do empresário português, José Manuel Fernandes enfatiza a essencialidade nas empresas da partilha do conhecimento, na medida em que o empresário já não se pode considerar como o super-homem que está em todas e tudo decide, devendo antes ser um super-organizador que gere também a motivação dos seus próprios trabalhadores.

É fácil de inferir que todo um tipo de gestão moderna exige fugas às “vaias” do salário mínimo, desejavelmente aplicável a trabalhadores indiferenciados para execução de tarefas mais banais. Diz a propósito o empresário em causa: “uma empresa bem estruturada não tem salário mínimo, tem sim formação e especialização”. Fica assim lançado o repto, até porque este é um fator-chave da produtividade que urge aumentar.

Naturalmente que se reafirma a necessidade de termos que caminhar para uma economia de produtos e serviços complexos de inequívoco valor acrescentado, atraindo investimento estrangeiro de raiz, mas – considerando como muito importante – fazer integrar em projetos portugueses esse mesmo investimento externo e ajudando a sustentar, por exemplo, a capacidade exportadora do país. E, em particular, que contribua para muscular alguns clusters já existentes.

Há, com certeza, e conforme expresso nessa entrevista, novas áreas industriais a explorar mais intensamente como, entre outras, a biomecânica, indústrias naval e aeroespacial, etc., suportadas por centros tecnológicos mais diversificados, acrescentados aos bons que o país já tem em áreas específicas.

Foi dado como exemplo interessante que, uma vez que o país vai ter que importar comboios (a ferrovia é um desígnio-chave), por que não aproveitar as competências internas? Isto porque qualquer caderno de encargos não deve poder deixar de incluir componentes portuguesas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.