A lei foi alterada e foi refeita à medida. Dentro do espírito democrático cada vez mais subtilmente limitado no nosso país, os municípios afetos à localização do novo aeroporto deixaram der ter voto (e veto) na matéria. Foi esta mudança legislativa de conveniência que permitiu que a localização do Montijo – a opção proposta pela ANA Vinci e a preferida pela Confederação do Turismo de Portugal (CTP) e por outros porta-vozes – continue a ser uma das opções em jogo.
O Montijo é baseado numa mentira – desde logo, a económica de que “o país está a perder”, diz um estudo comprado pela CTP à consultora EY e divulgado, sem mais, num contador em formato de painel publicitário com vista para a 2ª circular, mas em terrenos do aeroporto. A somar 35,93€ de “perdas nacionais” por segundo desde 14 de Julho de 2022, este estudo deveria ser, no mínimo, revisto. Todos os indíces financeiros que medem o turismo bateram recordes históricos em todas as regiões do país em 2022, isto apesar de termos tido menos 10% de passageiros na Portela e de, no geral, termos tido menos turistas estrangeiros do que em 2019, o último ano recorde antes da pandemia.
Isto é, a CTP usa um estudo comprado e um painel grátis para dizer que “o país perdeu”. Os factos reais dizem que o país ganhou. Ganhou muito mais, como nunca tinha ganho antes na sua história. Para os ainda associados da CTP baseados naMadeira, Açores, Norte e Sul, o seu futuro passa cada vez menos pelo aeroporto de Lisboa e pergunto-me se a CTP ainda terá legitimidade material para os representar. Se a desinformação e a propaganda fossem, por si, crimes, esta campanha publicitária já estaria certamente fora do “radar”.
O Montijo é baseado numa miragem – naquela que diz que os pássaros não são estúpidos e se vão desviar dos aviões, por exemplo. A outra miragem é também de índole ambiental. A crença de que, com este novo aeroporto do Montijo, a Portela ficará com menos movimento. Se é certo que a Ryanair já manifestou vontade de se mudar para o Montijo e de ali crescer a sua base, podendo facilmente triplicar ou quadriplicar o número de aviões baseados e com isso aumentar,na mesma proporção, a pressão turística em Lisboa, a TAP e as outras companhias poderão entãocrescer ainda mais na Portela. O modelo de negócio de tipo “hub” que se defende para a TAP – pública ou privada – é aquele que mais afeta a saúde dos Lisboetas.
Num dia típico, os aviões intercontinentais da TAP começam a aterrar às 5 da manhã – são quase 40 aterragens seguidasaté às 8h00, apenas interrompidas por uma mão cheia de voos não-TAP a partir das 07h00. No sentido contrário, as descolagens de voos noturnos para lá das 23h00 é igualmente um exclusivo da TAP. Esta TAP não irá para o Montijo e ficará na Portela. O Montijo duplicará, de uma assentada, a capacidade aeroportuária de Lisboa e transformará este aeroporto que temos no centro da cidade cada vez mais num ponto de transferência de passageiros de um voo para outro. É isto que queremos para o centro da cidade?!
A imediatez do Montijo é defendida pelos setores mais vorazes do turismo Lisboeta que, ora dominados pela ganância, ora despreocupados pelo futuro que já não conhecerão nas suas vidas, representam interesses isolados e desligados das preocupações ambientais, da agenda climática e do contexto socioeconómico mais amplo no qual o turismo se insere. São as decisões políticasque moldam o futuro de qualquer país e é vital que os decisores encontrem um equilíbrio entre os mais diversos interesses. O relatório da Comissão Técnica (In)dependente de 5 de Dezembro será tudo menos isso. Em última análise, cabe a todos nós, cidadãos, selecionar os decisores que melhor defendam este equilíbrio e é isto mesmo que poderemos fazer nas próximas eleições.Esta é uma responsabilidade que não pode ser subestimada, pois o futuro do nosso país está intrinsecamente ligado às escolhas informadas que fazemos em cada momento do nosso presente.