O tema da economia do carbono acompanha-nos já há duas décadas, quando em Kyoto se acordaram três mecanismos de mercado para suportar a redução de gases com efeito de estufa (GEE): o Clean Development Mechanism; a Joint Implementation; e o comércio de emissões. O protocolo de Kyoto foi substituído pelo Acordo de Paris, assinado em 2015 e calibrado para limitar o aquecimento global entre 1,5 e 2ºC. Com este acordo, a economia do carbono veio para ficar, seja através de mecanismos de comércio ou via cooperação voluntária.

De forma simplista, pode dizer-se que no mercado de carbono é transacionado o direito a poluir. Existem atualmente vários mercados de carbono, sendo justo evidenciar o comércio europeu de licenças de emissão (CELE), que se distingue dos demais, tanto em termos de volume como de valor transacionado. O CELE aplica-se a centros electroprodutores e a instalações industriais (responsáveis por 50% das emissões de CO2 da UE), e baseia-se no mecanismo cap-and-trade. Neste mercado, é limitado o montante de emissões autorizadas (“cap”), porém cada participante pode comprar e vender licenças de emissão (“trade”), em função da sua estratégia empresarial (quem investir em tecnologias de baixo carbono, terá a possibilidade de mitigar esse custo ao vender licenças excedentárias no mercado). O CO2 é, com efeito, a moeda de troca, que vale mais quanto maior for a escassez de licenças no mercado.

Ao longo dos anos, o CELE tem sido alvo de calibrações, de forma a assegurar a integridade ambiental da economia do carbono. Recordo-me que quando assessorava o XIX Governo em matérias de ambiente, estava a ser negociada a transposição da 3ª fase do CELE (2013-2020).  Nessa altura, o mercado de emissões não estava a gerar os efeitos necessários para a transição energética, uma vez que existia um evidente excesso de licenças. Se em 2008 o carbono chegou a ser transacionado a 30€/ton, em 2013 esta commodity atingiu valores inferiores a 5€/ton. Com a transposição da 3ª fase do CELE (caracterizada pela redução do volume de licenças anuais, as quais passaram a ser adquiridas através de leilões, em vez de uma atribuição gratuita) e com a alteração legislativa de 2014 (em que a CE redistribuiu cerca de 900 milhões de toneladas de licenças), o preço do CO2 acabou por subir para os 25€/ton.

É expectável que o preço do carbono configure “integridade ambiental” a este mecanismo, já que na 4ª fase do CELE (2021-2030) o ritmo de redução do tecto de emissões irá intensificar-se (o Carbon Tracker estima um preço de 55€/tonCO2 em 2030, tendo em vista as metas do Acordo de Paris).

Fazendo uma análise de sensibilidade ao sector elétrico e de acordo com a RTE, para 0€/tonCO2, uma central a carvão tem um custo variável de cerca de 25€/MWh, enquanto um grupo a gás natural opera a 40€/MWh.  Já para 22€/tonCO2, as unidades a GN mais eficientes já conseguem ser competitivas com as centrais menos eficientes a carvão. Se compararmos centrais igualmente eficientes, as unidades a GN só superam os sistemas a carvão para um trade-off de 50€/tonCO2. Com efeito, a percentagem de GN no mix energético aumenta com o preço de CO2, em virtude da lógica de ordem de mérito que preside ao escalonamento horário de centros electroprodutores.

Esta tendência do mercado de carbono influencia o custo marginal das centrais e, por conseguinte, o preço da eletricidade no mercado grossista. Para um sistema hipotético com 80GWh de procura, a variação do custo do CO2 de 0 para 30€/ton resulta num aumento de 16€/MWh no mercado grossista.

A economia do carbono é, por conseguinte, um indutor da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável (com custo marginal próximo do zero) e, por essa via, de tecnologias que ofereçam flexibilidade ao sistema (p.e. baterias, cargas controláveis e centrais a GN). Sem esquecer que o investimento em “negawatts” (cerca de 3,5c€/kWh) é mais eficiente do que em capacidade de produção (6c€/kWh para eólica onshore e 10c€/kWh para solar).

Releva, por fim, sublinhar que a economia de baixo carbono, não obstante apresentar desafios industriais, totaliza mais benefícios do que custos. Portugal, neste âmbito, tem a felicidade de reunir os fatores críticos de sucesso: recursos energéticos endógenos; infraestruturas; fornecedores de tecnologia; centros de I&D; e, acima de tudo, capital humano.