O Salário Mínimo Nacional foi uma das grandes conquistas da Revolução de Abril e veio permitir uma melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores. Nessa altura, foi fixado nos 3.300 escudos (o equivalente a 16,5 euros sem considerar a inflação) e muitas pessoas puderam fazer muitas coisas pela primeira vez.

Hoje, volvidas mais de quatro décadas, se além da inflação tivermos em conta a evolução da produtividade, o salário mínimo deveria atingir mais de 1.100 euros em termos reais, mas debatemos os 635 euros propostos pelo Governo a partir de Janeiro de 2020.

Portugal tem hoje um dos salários mínimos mais baixos na União Europeia. É um valor baixíssimo a todos os níveis: se compararmos com o salário mínimo dos restantes Estados Membros, se tivermos em conta as desigualdades salariais e sociais no país e roça até a insustentabilidade quando olhamos para o custo de vida. Mesmo que aumentasse já para os 750 euros, meta do Governo para 2023, esta remuneração continuaria abaixo da média da União Europeia.

Tudo aumenta e o salário teima em não acompanhar essa evolução. Em 2002, um bilhete de metro em Lisboa custava 50 cêntimos e agora custa 1,50 euros e o preço do café passou imediatamente para o dobro. De 2002 a 2017, o salário mínimo cresceu cerca de 50%, mas o rendimento médio disponível das famílias subiu pouco mais de 7%.

Falamos de quase um quarto dos trabalhadores em Portugal que não ganha mais do que o salário mínimo, o que representa dificuldades financeiras para muitas famílias. Quase um terço das pessoas em situação de pobreza são trabalhadores, mas o dinheiro que levam para casa não chega para as despesas básicas. Ter emprego, por si só, não é condição para sair da pobreza.

Face a este cenário, impunha-se um aumento do salário mínimo mais acelerado, para compensar os muitos anos em que não foi devidamente actualizado.

Apesar de todas as profecias em sentido contrário, aumentar os salários, em concreto o salário mínimo nacional, é uma forma de garantir mais justiça na distribuição da riqueza produzida, de promover o aumento do poder de compra e a melhoria das condições de vida, ao mesmo tempo que contribui para a dinamização da economia e da procura interna e, por consequência, para a produção nacional e criação de emprego. Além disso, representa mais receita para o Estado, através da via dos impostos, e assegura a sustentabilidade da Segurança Social.

Quem não se lembra dos frequentes argumentos de que o aumento do salário mínimo conduziria a mais desemprego? A verdade é que esse aumento, ainda que insuficiente, foi acompanhado de um aumento do poder de compra e do emprego. Os alertas insistentemente repetidos para as consequências negativas a nível do crescimento do emprego e da economia não se confirmaram.

Também em 1974, quando o salário mínimo foi instituído, os patrões recearam a falência mas, pelo contrário, o resultado não foi catastrófico: a produção aumentou e a economia cresceu, com o impulso do novo poder aquisitivo dos trabalhadores.

Aumentar o salário mínimo para 635 euros – mais 31,15 euros líquidos – é aumentar apenas cerca de um euro por dia. É preciso pagar a renda, a água, a luz, o gás. Falta ainda a alimentação, os transportes e muitas outras coisas. O ordenado já acabou há muito e o mês continua. Não há qualquer margem para imprevistos. É um teste diário à dignidade e à sobrevivência. Há mês a mais para o salário mínimo nacional e, talvez por isso, ainda ninguém tenha conseguido explicar como é possível viver com 635 euros mensais.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.