A América Latina parece condenada à fatalíssima trindade da violência, da desigualdade e da corrupção. Não é, pois, surpreendente que os cidadãos depositem esperanças em figuras por vezes cómicas, mas inevitavelmente trágicas, de tiranetes tropicais, de direita ou de esquerda, portadores de soluções providenciais para curar os males da sociedade.

Por regra, pouco ou nada resolvem, frequentemente acentuam os problemas existentes e criam outros, comprometem as liberdades políticas e perseguem opositores, mas, para um povo desesperado, qualquer promessa, mesmo que vã e demagógica, é acolhida com entusiasmo. No caso brasileiro, o desespero é precisamente o resultado dessa fatal trindade que tudo destrói.

A violência é um problema crónico que não cessa de se agravar. Só em 2016, mais de 60 mil pessoas foram vitimadas por crimes violentos, o que faz do Brasil um país em guerra civil não declarada, geradora de insegurança e de medo.

A nível económico, depois de um período de atenuação das profundas desigualdades, historicamente persistentes, na primeira década do século, o espectro da miséria, que nunca desapareceu totalmente, volta a assombrar o país, progredindo a um ritmo preocupante, como atestam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que referem que a pobreza extrema atinge actualmente quase 15 milhões de cidadãos, tendo o seu número aumentado em cerca de 11% entre 2016 e 2017.

No que à corrupção diz respeito, não parece haver travão para esse cancro que metastiza afectando transversalmente a sociedade. Os escândalos do “Mensalão” e do “Lava Jato”, que envolveram centenas de políticos e empresários e que atingiram a cúpula do Estado, causaram descrença e desconfiança.

A ascensão de Jair Bolsonaro não ocorre, assim, por acaso. Neste cenário, o apelo de uma figura messiânica, sintomaticamente chamada pelo povo de “a Lenda”, torna-se, para muitos, irresistível. Os elevados resultados obtidos por Bolsonaro revelam, exactamente, essa procura por soluções salvíficas, esgotadas que, para muitos, parecem estar, quaisquer outras vias.

Não sendo realista pensar que quase metade dos eleitores brasileiros tem propensão para o autoritarismo ou pretenda uma sociedade ainda mais dividida e agressiva, assente na estigmatização e no ódio a determinados grupos, o apoio ao candidato da direita radical justifica-se, antes de mais, pela sedução por um discurso que assenta no combate a um sistema que, manifestamente, padece de graves deficiências e que aqueles consideram não representar os seus interesses e zelar pelo seu bem-estar.

Ao desespero, soma-se a desilusão, de que a votação de Bolsonaro é também fruto. O envolvimento do PT nos referidos escândalos de corrupção, minou, porventura fatalmente, a confiança dos cidadãos. Apresentando-se como um partido do povo e para o povo, dotado de uma autoridade moral forjada na resistência à ditadura militar, mostrou-se venal e permeável à cobiça que tantas vezes seduz o poder. Muitos dos votos naquele que a ironia do destino quis que tivesse por segundo nome Messias, são votos contra o PT.

Se o presente do Brasil não é, de todo, favorável, o futuro, caso Bolsonaro seja eleito presidente, nada augura de bom. A prazo, os brasileiros perceberão isso, resta saber quando e a que custo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.