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Metalomecânicas pedem que o Estado entre no capital das empresas

Em entrevista ao Jornal Económico, o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), e vice-presidente da CIP, Rafael Campos Pereira, o sector que tem sido o motor da indústria em Portugal e que em 2019 exportou produtos no valor de cerca de 20 mil milhões de euros, pede que haja a entrada temporária de capitais públicos nas empresas do sector para poderem enfrentar as condições de mercado nos próximos três anos.
4 Maio 2020, 08h15

As indústrias metalúrgicas e metalomecânicas associadas da CIP solicitam que o Governo crie mecanismos públicos que possibilitem a entrada temporária no seu capital – com regras claras sobre os prazos de saída do capital – para obterem o apoio necessário ao relançamento da economia durante os próximos três anos. A proposta é feita pelo vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), e vice-presidente da CIP, Rafael Campos Pereira. Em entrevista ao Jornal Económico, defende que “tem de haver alguma solução que passe por empréstimos ou por injetar capital – sem ser pela via das nacionalizações. Mas tem de haver soluções de entidades públicas que participem no capital das empresas e que depois saiam”.

“É importante reforçar a estrutura de capital das empresas. Mesmo as empresas do sector metalomecânico, que estão com mais músculo financeiro, não vão resistir muito mais tempo numa crise global com esta. As tais soluções não convencionais não excluem a necessidade de injetar capital nas empresas. Não serão private equities mas uma espécie de public equities, com condições de saída. Os alemães, franceses e malteses já abriram um precedente e estão a injetar dinheiro diretamente nas empresas”, refere.

Além disso, são necessárias “medidas de apoio ao emprego – na nossa perspetiva, é importante que as empresas salvaguardem e defendam os postos de trabalho, tal como é importante que os trabalhadores também defendam as empresas”. Sobre o lay off simplificado, Campos Pereira refere que “está previsto no diploma que, no final, será pago às empresas, por cada trabalhador abrangido no lay off, um valor correspondente a um salário mínimo nacional. É uma medida inovadora e que ajuda. É uma espécie de subsídio de reintegração dos trabalhadores para a retoma da atividade”. O vice-presidente da CIP defende que “é melhor pagar o emprego, do que pagar o desemprego”. As indústrias associadas da AIMMAP exportaram cerca de 20 mil milhões de euros em 2019, o que equivale a “mais ou menos uma terça parte das nossas exportações da indústria transformadora. É mais do dobro do têxtil, do calçado, do vinho e da cortiça todos juntos”, refere Campos Pereira.

Foi efetuado um inquérito às associadas da AIMMAP sobre a realidade laboral na crise da Covid-19. O JE sabe que foi identificado um número residual de indústrias que tinham recorrido ao lay off. Confirma essa informação? Também é previsível que, com a evolução da crise e com a constatação de eventais novas quebras de encomendas, neste sector previsivelmente poderá aumentar o número de indústrias em lay off…

O inquérito que temos, com 506 respostas, permite concluir que 79,1% das empresas ainda não estão em lay off. O que não quer dizer que numa parte importante das empresas – embora a situação comece eventualmente a ser encarada com mais otimismo –, seja muito provável que algumas das empresas que neste momento não estão em lay off, venham a estar. No imediato, as nossas empresas tiveram, mais do que cancelamentos, bastantes adiamentos de encomendas, mas para a maioria delas não foram em número suficiente para ter a tal quebra de 40% para permitir rapidamente aceder ao lay off.

A AIMMAP prevê que a realidade da indústria do sector possa sofrer alterações desfavoráveis nas próximas semanas?

Muitas empresas ainda estiveram a trabalhar, mais ou menos em pleno – não será em pleno, mas a mais de 50%, seguramente –, durante este período. E, portanto, só agora é que estão a refletir de forma substancial nas suas contas e só agora é que uma parte delas irá entrar em lay off. Diria que até agora 80% não entraram em lay off e só 20% recorreram a esta medida. Admito que este número possa dobrar.

Portanto, passarem de 20% em lay off para 40%?

Sim. A esmagadora maioria dos casos de lay off são parciais. Em alguns casos só com reduções do horário de trabalho, e de dias de laboração semanais. Na esmagadora maioria das situações, não estamos a falar de suspensões de contratos de trabalho. No fundo, é ajustar o volume de trabalho da empresa à realidade, tentar ajustar às necessidades de produção, minimizando o prejuízo, mas estando preparados para reagir rapidamente se houver alguma evolução.

O setor é um dos maiores motores da indústria portuguesa, responsável por um dos volumes de exportações mais elevados. Mas não traduz uma realidade laboral uniforme porque está dispersa por uma grande diversidade de subsetores, quase todos com grande exposição às encomendas externas em áreas que agora atravessam recessões severas…

O sector da metalomecânica é muito heterogéneo. Inclui as indústrias que apoiam a produção de componentes automóveis, a mecânica de precisão, instrumentos e ferramentas de diversos tipos, os componentes para a indústria aeronáutica e aeroespacial e para a indústria naval. Vamos aguardar para ver como se comportam todos estes subsetores na atual crise.

Frequentemente, os processos de laboração nestas indústrias não permitem manter distanciamento entre trabalhadores. Muitas vezes, a produção de peças exige a colaboração e a participação conjunta de mais de dois trabalhadores. Como é possível conciliar as necessidades de afastamento impostas pelas exigências sanitárias?

Na maioria dos casos é possível manter distanciamentos superiores a dois metros de segurança entre trabalhadores. Devo dizer que em algumas empresas os planos de contingência foram efetuados e não é por acaso que, estando o sector a trabalhar, em 95% das empresas não foram registados quaisquer casos de Covid-19. Exatamente porque as empresas estão a conseguir criar planos de segurança, que, não sendo infalíveis, são bastante eficazes.

Mesmo nos grupos de maior dimensão?

Há um grupo português que tem 2500 trabalhadores em todo o mundo e que tem quatro casos de Covid-19, dos quais, três num escritório. É uma situação residual e em que a maior incidência não ocorreu em instalações fabris. Este grupo está a trabalhar a mais de 100% porque trabalha para sectores essenciais. Portanto, a fábrica por si só não potencia um maior contagio do que em outros espaços. A generalidade das empresas tem conseguido reorganizar os espaços e os seus layouts. Os trabalhadores também estão solidários no nosso sector, aceitando reorganizar os seus horários no sentido de evitarem que haja muitas pessoas ao mesmo tempo no mesmo espaço.

Considera que os problemas identificados em algumas áreas, antes da crise da Covid-19, agora serão quase impossíveis de recuperar?

Como por exemplo? Está a referir-se a que empresas?

Dentro do subsector da manutenção metalomecânica – que antes da crise da Covid-19 já estava em dificuldades consideráveis – foram tentadas consolidações que não resultaram. Alguns casos problemáticos foram herdados de participações detidas pelo ex-GES, como é o caso da Almeida Marques e Almeida (AMAL) que faliu com dívidas de 134,7 milhões de euros, já fragilizada antes da crise. Ou algumas unidades da Martifer, e de indústrias que tinham instalações em Setúbal e perto de Carnaxide, próximas de Lisboa.

As que estavam ligadas às energias renováveis…

Sim. Bem como outras situações…

Cerca de 90% da metalomecânica localiza-se entre Braga e Aveiro. O único subsector onde havia alguma dificuldade era o dos fabricantes de torres eólicas. Esse é um fenómeno europeu e resulta do efeito da concorrência chinesa. Houve problemas, nomeadamente, com a Tegopi, que faliu. Houve um processo de insolvência e foi comprada por uma outra empresa, o Grupo Pinto Brasil, até porque a Tegopi, para além da sua atividade na área da indústria das torres eólicas também fabricava pontes rolantes e outras valências importantes.

Considera que esse subsector é residual no contexto das associadas da AIMMAP?

Tirando esse sub-sector específico da manutenção – onde algumas empresas conseguiram reorganizar-se, mas outras não, embora a desindustrialização do sul também tenha algum peso nesses insucessos –, a verdade é que a metalomecânica não estava em crise. Na manutenção, estamos a falar num número muito residual de empresas metalomecânicas. Porque 95% das empresas do sector estavam a crescer. Não foi por acaso que em 2019 exportámos 19,6 mil milhões de euros, que foi um crescimento próximo dos 7% relativamente ao ano anterior. Estamos a falar de uma parte do fabrico para o sector dos componentes para a indústria automóvel – só as nossas fábricas, porque o cluster automóvel também tem produção têxtil e de plásticos, etc –, isto é mais ou menos uma terça parte das nossas exportações da indústria transformadora. É mais do dobro do têxtil, do calçado, do vinho e da cortiça todos juntos.

Tudo exportado?

Só exportações. Porque o volume de negócios terá sido cerca de 32 mil milhões de euros – note-se que a atualização oficial destes dados depende do INE, que trabalha sempre com dados mais diferidos. Mas, nas exportações, os dados são do Eurostat e neste caso conseguimos ter a informação do sector da metalurgia e metalomecânica muito atualizada, quase online.

No entanto, já tem informações que permitem ter uma noção realista sobre o volume de negócios que este sector atingiu em 2019?

Admitimos que, em 2019, o volume de negócios global, incluindo o do mercado interno, andará nos 32 mil milhões de euros. Mais de 60% do volume de negócios do sector destina-se à exportação.

E entre os mercados de exportação, a esmagadora maioria das encomendas têm destino na UE?

Exatamente. E em 2019 caímos nos mercados fora da UE, por variadíssimos motivos, o que ainda torna mais extraordinário o facto de termos crescido tanto. Mas a verdade é que fomos afetados nos EUA que era um mercado fora da UE onde estávamos a crescer mais – por causa das políticas restritivas da administração Trump. Em 2019, as exportações foram em 82,5% para a UE e 17,5% para fora da UE. Os principais mercados são Espanha, Alemanha, França e Reino Unido. O quinto mercado, que eram os EUA, foi ultrapassado por Itália, por vários motivos, não só porque os EUA caíram, como também pelo facto da Itália, em dois anos, ter mais do que dobrado as compras a Portugal neste sector. Não é só um fenómeno da metalomecânica. Também acontece em outros sectores da indústria transformadora. Aliás, já se passou com França, há alguns anos.

Que tipo de encomendas fazem os franceses?

Os franceses compram-nos tudo o que são peças técnicas de elevado valor acrescentado. Estamos a falar de componentes para aviões, para comboios, para automóveis, para a indústria química, etc… Os franceses deixaram de produzir e passaram a comprar a Portugal. Temos empresas dentro do subsector da metalomecânica, designadamente no segmento das peças técnicas de valor acrescentado – uma subcontratação industrial de valor acrescentado –, no qual Portugal exportou cerca de quatro mil milhões de euros só de peças técnicas. Em 19,6 mil milhões, exportamos 4,0 mil milhões só com peças técnicas. Estamos a falar de peças para a indústria automóvel, para a indústria da moda, para pequenas tecnologias de produção, de máquinas para a Louis Vuitton, para a Porsche, para a BMW, para a Airbus, etc… é um segmento enorme de empresas que são capazes elas próprias de se ajustarem às necessidades do mercado em cada momento. Portanto, o know-how que fabrica peças para o sector automóvel, também fabrica peças para a indústria de produção da moda, para produtos de hotelaria, para máquinas, eletrodomésticos, etc…

Há algum evento internacional que mostre a relevância deste subsector da indústria portuguesa?

Sim. A principal feira do sector, o Midest, que apresenta todo o universo da subcontratação de tecnologia industrial e dos conhecimentos decisivos para gerir este tipo de produção. Nesta feira, Portugal tem o principal expositor. Em 2019 tivemos lá 100 empresas portuguesas lideradas pela AIMMAP, sob a marca Metal Portugal. Mas também há uma feira muito importante para os mercados nórdicos, para a Suécia, Noruega, Dinamarca, que funciona na Suécia, para onde as exportações portuguesas do metal estão a crescer, exatamente pela presença consistente de Portugal na feira ELMIA Subcontractor, que é o maior certame escandinavo especificamente vocacionado para o segmento da subcontratação industrial de alto valor acrescentado.

Uma das razões invocadas no vosso inquérito como motivo para as empresas recorrerem ao lay off foi a impossibilidade de se deslocarem a Itália, o que se entende pelo peso crescente da Itália nas exportações da metalomecânica, que já ultrapassa o peso dos EUA nas encomendas feitas a Portugal… Porque é que aumentou rapidamente a relação de Itália com Portugal? Seguiram o exemplo dos alemães e dos franceses?

É um pouco isso. Seguiram o exemplo dos franceses e dos alemães, mas não de forma acrítica, ou seja, antes fizeram as contas. A verdade é que a indústria transformadora de Portugal tem uma capacidade de adaptação muito grande, de costumização, de responder às necessidades específicas dos clientes, e de produzir pequenas séries. Ao contrário de outros concorrentes que só conseguem ser competitivos com séries muito grandes, nós conseguimos trabalhar bem em pequenas séries. Portanto, estamos a aumentar muito o número de clientes de pequenas séries. Os italianos fizeram contas e notaram que conseguimos ser mais rápidos e mais baratos a produzir que os nossos concorrentes.

Quais são os segmentos âncora na metalomecânica? A produção para componentes automóveis ou as peças para a indústria aeronáutica?

A produção para a indústria automóvel e as tecnologias de produção, ou seja, máquinas, equipamentos em geral. Nós temos desde máquinas de corte a laser, a máquinas de corte por jato de água, máquinas especiais, esquinadeiras, tornos, guilhotinas, inclusivamente nós vendemos máquinas para a Alemanha, que é um pouco como vender areia para o deserto. Mas a verdade é que conseguimos. A Alemanha é o país dos automóveis, mas antes disso ainda é o país das máquinas. São os maiores fabricantes mundiais de tecnologias de produção e os portugueses têm empresas que conseguem vender máquinas aos alemães.

Como a Frezite…

Ou a Adira. Fazem equipamentos e ferramentas. Ou como grupos bastante maiores. Como a Colep, fundada por Ilídio Costa Leite Pinho (a designação societária Colep é um acrónimo de Costa Leite Pinho), que pertence ao Grupo RAR. Neste caso, não são só uma metalomecânica. Fazem embalagens e agora também fazem os produtos, como por exemplo as referências vendidas pela Johnson, ou o material clínico e médico, pois além da empresa em Vale de Cambra, têm unidades no Brasil, na Alemanha (várias), na Polónia, em Espanha, no México, nos Emirados Árabes Unidos, sendo um dos grupos mais internacionalizados.

O sector é muito internacionalizado…

Sim. Temos a Sodecia, que também é muito internacionalizada, que tem fábricas no Brasil, na Índia, etc. Temos a Martifer, que também é uma empresa de referência. O grupo Simoldes, na área dos moldes. A Frezite está na Alemanha, na Polónia, na República Checa. Temos o grupo Pinto Brasil, que tem vindo a crescer e compraram a Tegopi, e também estão no México. O Grupo Motofil, na área do corte e soldadura, que tem unidades em Espanha, no Brasil e no México e várias empresas em Portugal. Depois também temos muitas empresas de capital estrangeiro e direito português, como a Faurecia, que tem quatro associadas da AIMMAP. Ou as torneiras alemãs Grohe que agora têm capital japonês. As torneiras espanholas Roca. Mais as ferramentas americanas. Os termoacumuladores da Bosch em Aveiro. Os fabricantes de louça metálica, de panelas de pressão, de talheres, como a Cutipol, ou o fabricante de formas de bolos para todo o mundo cuja empresa se chama A Metalúrgica. E muitos outros casos.

Também é um sector muito heterogéneo, que vai das ferramentas, às formas de bolos…

Por isso é que situações com as da AMAL são residuais. Mesmo empresas pequenas que estavam em dificuldades, foram reabsorvidos pelo sector.

Isso reflete-se no emprego criado? O número de postos de trabalho deste sector cresceu muito?

Em 2020 tínhamos 256 mil trabalhadores. Em 2010-2011, quando foi a anterior crise, chegámos a ter menos de 200 mil. Portanto, todos estes anos tínhamos vindo a crescer em valor acrescentado. Em postos de trabalho. Em exportações, etc. Mas basta uma pequena mancha para dar uma ideia que distorce o sector.

Agora têm uma expectativa sobre as empresas que possam passar para lay off, como defesa face à redução das encomendas. Que fará aumentar os casos em lay off de 20% para 40%, exigindo apoios e incentivos diferentes. De que apoios precisam?

As nossas empresas estão bastante mais capitalizadas que a generalidade das empresas portuguesas, segundo dados do Banco de Portugal. Temos mais músculo e conseguimos resistir mais tempo. Estaremos um pouco mais organizados. Até conseguimos adiar um pouco o acesso ao lay off. Algumas empresas irão sair mais cedo, porque entraram em lay off também mais cedo. Conseguimos criar outras soluções durante este tempo, de organização do tempo de trabalho. Como devemos cumprir as condições de acesso ao lay off admito que haverá um número maior de empresas a aceder. A quebra das nossas empresas não foi tão brutal como em outros sectores. O nosso sector mesmo durante o período da troika foi responsável por um terço das exportações portuguesas. E foi o pilar das exportações, foi o que sustentou a economia portuguesa. Atrevo-me a dizer que o esforço essencial de sobrevivência da economia portuguesa foi feito pelo nosso sector. Foi verdadeiramente relevante para resistir à crise de 2008, 2009, 2010 e por aí fora. Nesta altura também teremos de ser importantes para ultrapassarmos as dificuldades. E, como é óbvio, nós precisamos de apoio. Temos de garantir que as melhores empresas possam ajudar a resistir a economia portuguesa. Em janeiro, participei numa reunião na residência oficial do Primeiro Ministro, com a presença do ministro da Economia, do secretário de Estado da Economia e do ministro do Planeamento, onde estive enquanto representante da AIMMAP, juntamente com empresas da área das tecnologias de produção, do INESC TEC, os representantes da Motofil, da Adira, da Frezite, etc. e fiquei com a noção que o Governo sabe que é fundamental apoiar as empresas deste sector do metal e das tecnologias de produção para alavancar o resto da economia. O Metal Portugal em geral e as tecnologias de produção em particular são decisivas para qualquer processo de recuperação da economia portuguesa porque nós somos fornecedores de todos e somos clientes de todos. Somos o principal pivot da economia portuguesa. Não é possível uma economia funcionar sem máquinas próprias, sem máquinas de produção nacional e sem componentes de produção nacional.

Daí a insistência na reindustrialização que foi feita na altura da troika. Qual é o vosso peso dentro da indústria?

Dentro da indústria o nosso peso é brutal. Não só em termos quantitativos – os números das exportações assim o demonstram, pois é um terço da indústria transformadora – como no efeito indutor que tem em todos os sectores. Por exemplo, a indústria do calçado – para se ter uma noção, nós exportamos num mês o que a indústria do calçado exporta num ano –, mas a indústria do calçado tem muito mérito e tem feito um grande trabalho, mas quem é que lhes fabrica as máquinas? E as rochas ornamentais? A indústria do mármore? São as empresas do metal que estão na base das soluções de produção dessas empresas. Portanto, em todos os sectores, somos fornecedores.

Isto é: enquanto as empresas de serviços, o turismo, a restauração, o golfe e o transporte aéreo têm estado parados, o sector da metalomecânica continua a ser o motor da indústria nacional e a âncora da economia portuguesa…

Completamente.

Que será necessário para apoiar a metalomecânica? Injeção de capital? Private equity? Consolidações? Fusões?

Como enfrentamos problemas desconhecidos, têm de ser procuradas soluções não convencionais. É importante reforçar a estrutura de capital das empresas. Mesmo as empresas do sector metalomecânico que estão com mais músculo financeiro, não vão resistir muito mais tempo numa crise global com esta. As tais soluções não convencionais não excluem a necessidade de injetar capital nas empresas. Não serão private equities mas uma espécie de public equities, com condições de saída. Os alemães, franceses e malteses já abriram um precedente e estão a injetar dinheiro diretamente nas empresas. Não podemos invocar o argumento das regras da UE proibirem as ajudas de Estado. Já está a ser injetado capital nas empresas…

…o caso do grupo Adidas foi muito referido nos jornais, com a agência de investimento estatal alemã KfW a disponibilizar-lhe 3 mil milhões de euros, e isso já dá uma dimensão das ajudas estatais alemãs entregues às empresas…

Exatamente. Os alemães também querem fomentar o abate de automóveis para revitalizarem a indústria automóvel, dando ajudas indiretas às pessoas para comprarem carros novos. Estas medidas até podem ter impacto em outros países, como Portugal, que tem muitas empresas fornecedoras da indústria automóvel alemã. Tem de haver medidas e é preciso injetar capital nas empresas. Sabemos que Portugal tem dificuldades orçamentais, mas, nesta fase, o Ministério das Finanças não se pode comportar como se estivéssemos a viver numa situação de normalidade. Porque não estamos. Precisamos de soluções não convencionais e precisamos que o Estado ponha a carne toda no assador. O Estado, de uma forma ousada, imaginativa e corajosa, tem de ajudar a resolver os problemas. Há a questão dos seguros de crédito: depois das seguradoras europeias terem baixado os níveis de rating, agora estão a fugir e não estão a apoiar as nossas empresas. Era fundamental que houvesse uma garantia do Estado para dar suporte às seguradoras de crédito. Tanto mais que é uma matéria em relação à qual o Ministério da Economia está plenamente de acordo. Aparentemente, o Ministério das Finanças não dá luz verde a uma solução que poderia resolver rapidamente um problema específico aos nossos exportadores e até aos importadores.

O que está a dizer é que, nesta crise, o Ministério das Finanças está a funcionar como um travão…

Exato. Admito que o Ministério das Finanças não esteja com as mesmas obsessões de cativações, nem com as mesmas obsessões restritivas que tem tido durante os últimos anos – houve exageros, mas admito que Portugal tem de ter execuções orçamentais rigorosas para reforçarem a credibilidade do país – mas, nesta fase em que estamos a ser confrontados com uma situação absolutamente descontrolada, que não era possível prever e que se nada fizermos, as consequências serão muito piores, têm de ser tomadas decisões diferentes para soluções não convencionais. É óbvio que Portugal vai precisar do apoio da Europa – algum apoio já terá vindo, como os 13 mil milhões de euros – e também é óbvio que a Europa tem de se entender. Será a solução da dívida perpétua, ou qualquer outra solução – tanto quanto sei, no tempo da gripe espanhola, o pagamento da dívida que enfrentou essa crise terminou há pouco tempo. Tem de haver alguma solução que passe por empréstimos ou por injetar capital – sem ser pela via das nacionalizações. Mas tem de haver soluções de entidades públicas que participem no capital das empresas e que depois saiam. Ou que haja créditos inovadores que possam ajudar as empresas. Para além disso há medidas de apoio ao emprego – na nossa perspetiva, é importante que as empresas salvaguardem e defendam os postos de trabalho, tal como é importante que os trabalhadores também defendam as empresas. Isto é um processo em que todos estamos do mesmo lado. O lay off simplificado acabou por ser um processo simples, ágil e que pode ajudar as empresas apesar de estarmos a ser confrontados com interpretações que às vezes são contraditórias e não são claras e que parecem por vezes que não estão de acordo com a letra da lei, nem com o seu espírito.

O mecanismo do lay off simplificado deu resposta a problemas concretos?

De uma forma geral, o lay off está a dar resposta às empresas que o solicitaram. As expectativas não estão a ser muito frustradas. No final logo veremos se foi tudo cumprido, ou não. Está previsto no diploma que no final será pago às empresas, por cada trabalhador abrangido no lay off, um valor correspondente a um salário mínimo nacional. É uma medida inovadora e que ajuda. É uma espécie de subsídio de reintegração dos trabalhadores para a retoma da atividade. É melhor pagar o emprego do que pagar o desemprego.

Neste cenário recessivo, a criação de postos de trabalho será difícil nos próximos dois a três anos. Concorda?

Pelo menos no próximo ano. Mas é provável que assim seja durante dois ou três anos.

Será possível mantermos PME com dimensões tão pequenas? É desejável promover um esforço de consolidação sectorial por áreas de especialização, para aumentar a capacidade e a dimensão das empresas?

Isso é desejável. Mas é preciso que haja incentivos com esse objetivo. Há muitas empresas familiares e há dificuldade em que as empresas se entendam. A AIMMAP está disponível para esse desafio no sentido de promover a fusão entre empresas. Quando nos comparamos com a Suécia, que tem quase os mesmos habitantes que Portugal, e perguntamos a um português médio quantas multinacionais suecas conhece, ele é capaz de enumerar várias dezenas. Se perguntarmos o mesmo a um português médio – quantas multinacionais portuguesas conhece –, ele não passará de umas cinco, já considerando a Galp e a EDP. Não conseguimos criar dimensão. Os suecos têm menos um milhão de habitantes que nós e conseguiram criar a Atlas Copco, o IKEA, a C&A, e tantas e tantas outras multinacionais, em todas as áreas. É importantíssimo promovermos a fusão entre empresas. Esses processos de consolidação são muito relevantes.

Qual foi a última fusão portuguesa que recorda facilmente?

Provavelmente, a Super Bock deve ter sido a última fusão. Foi o grande processo de consolidação de empresas portuguesas com sucesso, há cerca de 100 anos, quando as cervejeiras do Porto se juntaram e fizeram a Super Bock. Admito que a RAR também tenha sido assim, agrupando os refinadores de açucar. Mas num século temos pouquíssimos casos. Eu conheço grupos que tentaram fazer consolidações e não conseguiram e depois foram fazer consolidações com empresas holandesas. Mais tarde foram comprados por um grupo americano que depois comprou outras empresas portuguesas. É uma fragilidade cultural que nós temos.

Se o Governo português não der ‘corda aos sapatos’, que acontecerá à indústria portuguesa do sector da metalomecânica que tem cerca de 40% das empresas em vias de poder recorrer ao lay off nos próximos meses? Que recado deixaria ao Primeiro Ministro e ao ministro das Finanças?

Como recado pedia-lhes que ouvissem mais o ministro da Economia, que está a tentar fazer parte da solução e não do problema. Se não olharem para as necessidades do nosso sector quando a economia está parada, poderemos ter consequências indesejáveis ao nível do desemprego, com um custo muito mais alto para o país do que aquele que será necessário para prestar apoio à indústria nesta fase. Olhem para este sector e ajudem a manter o emprego para não pagarem o dobro amanhã, em desemprego.

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