Uma em cada três mulheres portuguesas foi ou é vítima de assédio sexual. Na rua, no trabalho, nos mais variados contextos. Não é de hoje a luta do movimento #MeToo contra uma prática que tem persistido ao longo de décadas, não obstante o tanto que se tem avançado pela não discriminação de género.

Permanecem, porém, preconceitos, estereótipos e práticas discriminatórias que, sob o véu da ameaça, do medo, do exercício desigual e do abuso de poder, resultam no facto de, só em Portugal, no ano passado se terem registado 19 mil crimes de violência doméstica (75,4%) e outras formas de violência, na maioria perpetrados sobre mulheres (70,4%) por agressores do sexo masculino (56%) e em contexto de relações de intimidade (44,2%).

À medida que nos inteiramos sobre o tema, mais terríveis são os dados: entre 2014-2019, uma mulher foi morta pelo seu companheiro ou ex-companheiro a cada 20 dias em Portugal. O fenómeno está igualmente presente entre as pessoas LGBTI+: em 2019, do total de situações denunciadas, o insulto ou ameaça, verbal ou escrita foi o mais frequente (46,58%) e vários foram os casos reportados de discriminação no trabalho (3,73%).

Não podemos continuar a escudar-nos sob a desculpa da ignorância ou do “faz-de-conta que está tudo bem” e não abraçar de facto o combate à violência sexual e outras questões sistémicas relacionadas, nomeadamente o assédio em contexto laboral.

Em nome das pessoas vítimas deste tipo de práticas e do direito à sua dignidade, urge não só encontrar formas de quebrar o seu silenciamento mas, sobretudo, de disseminar a sensibilização, desde cedo, junto dos meios sindicais, profissionais, empresariais e da sociedade civil em geral para esta problemática. É preciso igualmente mobilizar estes atores sociais para a criação dos meios e das técnicas para que sejam ouvidas todas as denúncias e, particularmente, para promover a tomada de ação.

O desequilíbrio das relações de poder que, tantas vezes, leva ao silenciamento das pessoas que, em algum momento das suas vidas, foram assediadas sexualmente, a par de outros fatores como a vergonha ou os preconceitos sociais, é também um dos fatores que leva a que só anos mais tarde se rompa o silêncio. Para pôr cobro ao obscurantismo em torno desta prática, importa apoiar todas as pessoas, trabalhadoras e não só, que pretendem atuar, mas que receiam fazê-lo, bem como assegurar que estão disponíveis as devidas respostas em matéria de apoio jurídico e psicológico.

A par de outras formas de violência, o assédio constitui uma forma ignóbil de desrespeito pelos direitos humanos, pela integridade sexual, física e emocional da pessoa visada, assim como de exercício de poder e opressão, que deixa sequelas para a vida.

E não, não é uma questão de credibilidade, menos ainda apenas uma questão das mulheres! É um problema de todas e de todos nós, para o qual os homens estão igualmente convocados a atuar.