A migração, um fenómeno tão antigo quanto a própria humanidade, continua a ser encarada como um problema, em vez de um dos principais motores de desenvolvimento, tanto nos países de origem, como de destino… Apesar das evidências crescentes do seu impacto positivo, a instrumentalização do discurso e da narrativa em torno do tema, leva a práticas e políticas, muitas vezes desumanas, discriminatórias, que perpetuam um ciclo de desperdício de talento e oportunidades.

Neste contexto, a Carta Aberta para as Migrações, assinada por 37 organizações da sociedade civil, surge como um alerta urgente. Exige estratégias que coloquem os direitos das pessoas migrantes no centro das atenções, combatam a xenofobia e que permita que as pessoas migrantes tenham oportunidades para promover o seu potencial, exerçam os seus direitos e sejam membros ativos das comunidades nos países de destino.

Mas será que estamos realmente disponíveis para o pensamento crítico e informado? O discurso anti-imigração continua a conquistar espaço, alimentado pelo medo, pelo desconhecido e sobretudo, pela desinformação. É, então, cada vez mais importante combater o desinteresse, a proliferação de notícias e discursos falsos e manipulados e promover a dignidade humana. A intervenção de instituições nacionais e internacionais, de representantes de entidades e organismos públicos e privados, de organizações da sociedade civil, da Academia e dos cidadãos na sociedade é fundamental para uma efetiva proteção da migração enquanto direito humano (Art.º. 13º da Declaração dos Direitos Humanos, adotada em 1948).

A incoerência das políticas e práticas é infelizmente, uma realidade. A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) exige que as ações de um país não prejudiquem o desenvolvimento de outros. E neste contexto, como podemos, então, falar em desenvolvimento quando negamos aos migrantes a oportunidade de desenvolver o seu potencial, de contribuírem positivamente para o desenvolvimento das comunidades de origem e de destino, de terem acesso a uma vida mais digna?

É redutor cingir o contributo ou a “mais-valia” das pessoas migrantes nos países de origem, ao impacto positivo que representam ao nível da Segurança Social, do investimento, dos serviços financeiros, dos vários setores da economia e do Produto Interno Bruto (PIB). É importante ver para além dos números e das estatísticas. Importa ver que são pessoas à procura de melhores condições de vida, que saem do seu país por necessidade e não por escolha.

Apesar destes dados inegáveis, persistem barreiras à integração e ao combate à discriminação e ao discurso de ódio.

É tempo de inverter a lógica e implementar medidas migratórias que priorizem os direitos humanos e a dignidade dos migrantes. É fundamental investir na integração e no reconhecimento de qualificações, promover a mobilidade laboral e a migração circular, combater a xenofobia e a discriminação e, acima de tudo, garantir a coerência com as estratégias de desenvolvimento.

A Carta Aberta e o Projeto Coerência –  o eixo do desenvolvimento são um começo. Mas precisamos de mais. Precisamos de um compromisso político firme, de um mecanismo de coordenação interministerial eficaz e de um investimento significativo em medidas migratórias que promovam o desenvolvimento.

A escolha é clara: ou continuamos a desperdiçar o potencial das migrações, perpetuando um ciclo de desigualdade e exclusão, ou abraçamos uma abordagem coerente e integrada, que reconheça o valor dos migrantes e crie oportunidades para transformar o mundo. A hora de agir é agora.