Até ao bárbaro assassínio de George Floyd por um polícia branco, em Minneapolis, no dia 25 de maio, causa dos massivos protestos antirracistas que assolaram vários Estados e cidades americanas, a situação de Trump nas sondagens era confortável. Não tinha sido afetada pela forma incompetente como geriu o combate à pandemia causada pelo coronavírus. A sua indefetível base de apoio, constituída maioritariamente por evangélicos, era relativamente sólida. A pandemia foi habilmente manipulada e usada para uma estridente guerra comunicacional contra a China, que era até certo ponto eleitoralmente útil.

Trump parecia imune a tudo. Ao abandono do Acordo de Paris e do TPP, ao impeachment, ao alegado conluio com a Rússia e às invetivas contra o seu caráter e comportamento social, desde a relação com prostitutas até à fuga aos impostos. Passava-lhe tudo ao lado. Até os aliados ocidentais, tão maltratados por Trump, tão críticos das suas posições antiglobalização e políticas económicas nacionalistas, não hesitaram em pôr-se ao seu lado numa frente anti-

China e em juntar a sua voz aos apelos de Washington para relocalizarem as suas linhas produção. Apesar de a caminhada até às eleições presidenciais de novembro não se vislumbrar fácil, Trump encontrava-se numa posição relativamente cómoda. Joe Biden, o candidato democrata, é um opositor sem chama.

Até que surgiu uma wild card com potencial para deitar tudo a perder. Não se trata propriamente do assassínio de Floyd, mas da forma atabalhoada como Trump está a gerir a crise. A ameaça de empregar as Forças Armadas para conter os distúrbios ao abrigo do Insurrection Act de 1807 causou estragos. Várias figuras públicas levantaram-se contra essa decisão. A comunicação social deu relevo à tomada de posição de muitos generais, em particular de James Mattis, antigo secretário da defesa, que acusou Trump de dividir os americanos em vez de os unir. Também figuras gradas do partido republicano se distanciaram de Trump.

Esse distanciamento foi acompanhado por fissuras no núcleo duro dos seus apoiantes. Uma sondagem no final de maio, com o país já envolto no caos causado pela contestação social, indicava que relativamente a março, o apoio dos evangélicos a Trump tinha caído 15 pontos percentuais, encontrando-se em 62%. Tendência semelhante verificou-se entre os brancos católicos, assinalando a mesma sondagem uma queda de 27 pontos. Assim, a decisão de Trump visitar uma igreja próximo da Casa Branca, que tinha sido incendiada durante os protestos, para se fazer fotografar com uma bíblia na mão, flanqueado por Mark Esper, Secretário de Defesa, e pelo General Mark Milley, em uniforme de combate, foi uma encenação de “comunicação estratégica” para cativar o seu eleitorado mais sensível.

A situação desfavorável em que Trump se encontra é reversível. Importa perceber até que ponto aqueles “abandonos” são consistentes. No outono de 2016, a sua taxa de aprovação entre os evangélicos era apenas de 61%. Falhadas outras tentativas, nomeadamente o impeachment, esta poderá ser a última oportunidade dos democratas para impedir a reeleição de Trump. Não é de excluir a “necessidade” do voto evangélico útil em Trump, mesmo sem convencimento, dada a insonsa e pouco convincente alternativa democrata. Trump ainda não está “arrumado”.