A CEO da TAP disse esta semana na comissão parlamentar de inquérito à companhia aérea que se considera “um bode expiatório numa batalha política”. Durante a audição, não adotou a postura de amnésia que se assistiu em outras mediáticas comissões de inquérito em que se tornou um clássico a falta de memória com os invariáveis “eu não sabia”, “não me lembro”, “eu nunca imaginei” ou “não acompanhei”.

Christine Ourmières-Widener, que faz hoje um mês foi demitida pelas televisões, escudada de dois advogados, revelou estar bem preparada e munida de documentação e datas. No contra-ataque não poupou alvos. Comprometeu o CFO da TAP, que estava a par da discussão sobre a saída de Alexandra Reis, mas no Parlamento assegurou aos deputados ter sabido apenas dias antes de forma informal da saída desta gestora.

E deixou farpas à gestão política agora feita por João Galamba e Fernando Medina, que tentou que a gestora francesa se demitisse numa reunião secreta na véspera de ser demitida em direto.

Um encontro em que faltou coragem dos governantes para avisar a ainda CEO da TAP que seria demitida por justa causa, mas onde não faltaram elogios: os resultados da companhia foram fenomenais e a gestora francesa fez um trabalho fantástico; aliás, que era a pessoa certa para o cargo e que até o processo [de indemnização a Alexandra Reis] tinha sido conduzido pela CEO exonerada com boa-fé (pasme-se), mas, perante toda a pressão de diferentes partes, não restava ao Governo outra opção se não a de não renovar o mandato.

Ourmières-Widener desmentiu ainda o ministro das Infraestruturas ao dizer que lhe foi pedido que não apresentasse os resultados da empresa publicamente, depois de João Galamba ter garantido que não, e o CFO ter dado a entender que a indicação partiu da tutela.

Na CPI, ao longo de quase sete horas, os ânimos foram agitados quando a CEO da empresa pública confirmou que o socialista Carlos Pereira – que coordena a pasta da Economia na bancada do PS e tem assento nesta CPI – esteve presente numa reunião, em janeiro, que juntou elementos do Governo, do grupo parlamentar do PS e a CEO da TAP, e que serviu para “partilha de informações, para conhecer o processo”. Não tardaram as acusações de desrespeito pela separação de poderes por parte da Oposição.

As revelações estenderam-se à verdadeira extensão da influência do Governo na gestão diária da companhia evidenciada por Widener a propósito de um email trocado com o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes, que aconselhou a CEO a manter o Presidente da República como “o mais importante aliado” quando esta questionou se seria boa ideia mudar um voo da TAP para acomodar a agenda de Marcelo.

Na CPI, criada após o caso da indemnização milionária à antiga administradora Alexandra Reis, Christine Ourmières-Widener não deixou de sinalizar que iria recorrer à justiça para contestar o despedimento por justa causa, que considera “ilegal”, arriscando os cofres do Estado a novo rombo caso os tribunais lhe deem razão. E recordou o momento em que é demitida sem aviso prévio por não um, mas dois ministros, que classificou como “o pior dia” da sua vida.

Um email, reunião secreta, a mordaça à CEO, que diz ser “bode expiatório numa batalha política” e uma demissão nas televisões – esta é a cenografia e o arranjo de atores em cenas que quase daria uma produção cinematográfica, em versão portuguesa da série televisa “Succession” com jogadas de bastidores, traições e disputas de poder.