Os problemas tornados públicos recentemente na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mais concretamente na Santa Casa Global (que delírio!) são graves, mas esperados. A Santa Casa de Lisboa, como aliás muitas outras espalhadas pelo país, tem um modelo de governo altamente desadequado e muitas características que fazem destas organizações especialmente vulneráveis a todo o tipo de má gestão e de quebras morais e éticas.

Em primeiro lugar são organizações com propósitos nobres e, portanto, beneficiam da benevolência dos seus stakeholders como os governos e a tutela, e de alguma forma de todos nós. É como se o propósito que lhes foi confiado fosse garantia da boa conduta e da competência dos seus líderes.

Segundo, estas organizações vivem num mundo em que ganhar dinheiro e fácil. Ora tem o privilégio do exclusivo dos jogos populares ora beneficiam de subsídios do estado e de outras entidades. É fácil por isso ser complacente e perder de vista de que esses recursos devem ser utilizados com parcimónia e o mais possível direccionados para actividades relacionadas com o seu propósito. Todos nos lembramos (ou deveríamos) da reportagem da TVI sobre o Hospital Conde de Ferreira no Porto, que devia a todos envergonhar.

Ao mesmo passo que o Centro Corporativo da Santa Casa do Porto está impecavelmente reabilitado. Nestas instituições, não se sabe qual a percentagem da massa salarial gasta com cargos de gestão não relacionados com a prestação de serviços de saúde, sociais ou educacionais. Desconfio que teríamos surpresas desagradáveis por esse país fora.

Não sabemos destas coisas porque sendo o governance desadequado, o reporting e a transparência, são péssimos. Mesmo nas instituições de mais recursos como a Santa Casa de Lisboa e do Porto ou a Cruz Vermelha Portuguesa o relatório anual de gestão e contas é paupérrimo e não explica nada. Mede impacto social ao quilo, não demonstra value for money, dever de qualquer instituição que beneficia de fundos públicos.

O valor social mede-se em número de beneficiários por cada serviço / área. Isto está longe da pratica do que se faz internacionalmente. Por outras palavras, não existe governo, rigor e transparência. As instituições deste sector, sobretudo as de maior dimensão, precisam de um conjunto de regras de governance e de reporting claras, que permitam não apenas fiscalizar melhor, mas também apoiar a equipa de gestão no desenvolvimento da organização. Falta coragem, como sempre.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.