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Tema tabu: ‘tapering’. Eis a missão de Lagarde, evitar falar da redução de compras

“A discussão será sobre ‘tapering’ (a redução gradual da compra de ativos), ou pelo menos sobre como evitar essa discussão. Porquê? Mesmo que os desenvolvimentos económicos justifiquem claramente pelo menos ter uma primeira discussão, a simples menção de tal discussão poderia fazer subir ainda mais as taxasdas obrigações”, disseram os analistas do ING na antevisão da reunião do BCE desta quinta-feira.
  • © Portuguese Presidency of the Council of the European Union – Hugo Delgado
9 Junho 2021, 19h00

A economia da zona euro, tal como muitos outros aspectos da vida global, está numa fase de transição. Os planos de vacinação e de desconfinamento seguem a ritmo acelerado, provocando uma recuperação económica saudável mas também uma subida da inflação, combinação que deixa os banqueiros centrais entre a tentação de remover os estímulos e o receio de o fazer cedo demais, pois esse ato poderá por em risco a retoma e a estabilidade nos mercados.

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, não é excepção.

“O exercício de comunicação que Lagarde terá de fazer esta quinta-feira será desafiante”, disseram os analistas do Danske Bank, referindo-se à conferência de imprensa da francesa após a reunião do Conselho de Governadores do BCE. “Será um acto de equilíbrio, entre a normalização da politica monetária e a manutenção da flexibilidade”.

A inflação homóloga na zona euro atingiu os 2% em maio, o nível mais elevado desde outubro de 2018 e acima da meta do BCE de ‘perto, mas abaixo de 2%’. Lagarde tem reiterado que o BCE vê a subida da inflação como um fenómeno transitório, provocado pelo efeito base resultante da quebra dos preços há um ano e também pelo aumento dos preços da energia, particularmente o petróleo.

No entanto, na reunião de 11 de março o BCE reconheceu os riscos que a subida das yields das dívidas soberanas da zona euro – impulsionada pelas expectativas sobre a inflação – representa para as condições de financiamento , e decidiu acelerar de forma significativa o ritmo de compra de ativos no Programa de Compra de Emergência Pandémica (PEPP, na sigla em inglês) e que tem um ‘envelope’ 1,85 biliões de euros até março de 2022.

Ritmo estará no centro do palco 

Nesta reunião, o staff do BCE apresentará novas projeções macroeconómicas e uma leitura das condições
financeiras com as quais decidirá se deve manter o atual ritmo de compras ou se deve voltar ao do primeiro trimestre do ano.

“É aqui que acreditamos que a maior parte da discussão será centrada. Por um lado, alguns membros do Conselho de Governadores dão mais peso às expectativas macroeconómicas favoráveis (espera-se uma recuperação vigorosa da atividade, já visível desde abril) e são, portanto, a favor da redução gradual do estímulo monetário”, disseram os analistas do BPI.

“Por outro lado, vários membros continuam concentrados nas condições financeiras e consideram que, para evitar o seu aperto, é necessário manter as compras líquidas mensais em 80 mil milhões de euros. De facto, maio viu um pico nas taxas de juro soberanas que colocou temporariamente o Bund alemão em -0,10%, um nível não visto desde maio de 2019, e um pico nos prémios de risco dos países periféricos da zona euro”, sublinharam.

O primeiro cenário, o chamado tapering, é algo que Lagarde poderá querer evitar discutir.

“A discussão será sobre tapering, ou pelo menos sobre como evitar essa discussão. Porquê? Mesmo que os desenvolvimentos económicos, na nossa opinião, justifiquem claramente pelo menos ter uma primeira discussão sobre a redução gradual do ritmo de compra, a simples menção de tal discussão poderia fazer subir ainda mais as yields das obrigações e, consequentemente, minar a recuperação económica antes que ela realmente tenha começado”, referiram os analistas do banco de investimento holandês ING.

Segundo Jörg Krämer, economista chefe do Commerzbank, o BCE deverá manter em grande parte o ritmo de compras de títulos no terceiro trimestre, que havia aumentado no segundo trimestre.

“O BCE quer evitar que a subida das yields das obrigações dos EUA se espalhem para a zona euro. Justificará esta política ao sublinhar que a situação económica ainda não é tão boa como nos EUA e ao minimizar os riscos de inflação na zona euro”, disse, numa perspectiva partilhada pela grande maioria dos economistas.

Maioria vê manutenção do ‘envelope’ do PEPP

Numa sondagem conduzida pela “Reuters” entre 28 de maio e 2 de junho, quase 90% dos economistas, ou 34 de 39, responderam que o BCE deverá deixar os 1,85 biliões de euros em aquisições de ativos no PEPP inalterados na reunião de quinta-feira.

Questionados sobre quando o BCE irá começar a reduzir o programa de compra de ativos, uma pequena maioria dos economistas, ou 20 de 35, disseram em algum momento até final deste ano, incluindo 13 que esperavam que começe já no próximo trimestre. Sobre a possibilidade de o BCE mudar a atual data final de março de 2022 para o PEPP, 28 dos 39 economistas disseram que não.

Os analistas do Danske Bank acreditam que na conjuntura atual é justo argumentar tanto a favor de um ritmo menor, mas também de uma velocidade inalteada nas compras líquidos no PEPP inalterado, uma vez que ainda estamos na fase inicial de reabertura das economias europeias.

“Portanto, esperamos um compromisso em relação ao PEPP entre voltar para o ritmo visto em janeiro  e fevereiro (cerca de 60 mil milhões de euros por mês) e manutenção do ritmo atual (cerca de 80 mil milhões por) para
cerca de 70 mil milhões mensais no terceiro trimestre, mas 15-20% menor em agosto devido à sazonalidade, com
o reforço da flexibilidade do PEPP”, sublinharam.

Ligeira revisão em alta das projeções

Em relação às novas projeções económicas, o Danske Bank acredita que com as premissas técnicas pouco alteradas o BCE trace uma perspectiva económica mais otimista para a zona euro .

“Com o ritmo de vacinação aumentando na Europa durante o segundo trimestre e a reabertura económica em pleno está em andamento na maioria dos países e atividade já iniciada para se recuperar no setor de serviços, enquanto a manufatura continua a disparar a todo gás”, referiram, adiantando que as projeções de março (de 4% e 4,1% em 2021 e 2022%, respectivamente, deverão ser ambas revistas em alta em 0,3 pontos percentuais.

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