Estes dias de coronavírus e confinamento levaram-me a pensar naqueles médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares que contra vírus e mazelas (a versão atual do “contra ventos e marés”) dedicam corpo e alma, com grande espírito de sacrifício, ao combate a uma ameaça terrível. Dei então comigo a procurar outros exemplos de dedicação e sacrifício pessoal à causa pública, com risco da própria vida.
Foi assim, a pensar em combate, que me dei conta da invasão da República Checa pela Polónia no mês passado, que passou despercebida a muita gente. É grave, até porque os dois já estiveram em conflito duas vezes no espaço de um século – sete dias de guerra em 1919 e quando da anexação pela Polónia de um território nos arredores de Bohumin, em 1938. Podia parecer que os militares polacos queriam vingar afrontas e restaurar glórias passadas, mas não, foi por burrice que o fizeram. A coluna militar polaca entrou em território checo no que a Polónia confessou ter sido um “mal-entendido”.
Pois, mal-entendidos destes não são agradáveis, que o diga Ivo Dokoupil, coordenador de uma agência ambiental checa, que quando pretendeu fazer o seu trabalho ficou debaixo da mira de um polaco e só cedeu devido às pontas das baionetas (a referência às baionetas é só por razões literárias, era uma metralhadora). Os mal-entendidos são coisa perigosa, particularmente se resultam de excesso de dedicação de militares.
Em outubro de 1925 um soldado grego correu atrás do seu cão que havido fugido e, inadvertidamente atravessou a fronteira com a Bulgária e foi morto. Como represália a Grécia invadiu a Bulgária e foi necessária a intervenção da Liga das Nações, que negociou o cessar- fogo. São exemplos de como, citando Clemenceau, a guerra é uma coisa séria de mais para ser deixada nas mãos dos militares. Clemenceau também disse, após uma visita a Buenos Aires em 1910, que a economia da Argentina só cresce porque os políticos e empresários dormem à noite, mas isso não é importante para o tema.
Bisturi ou seringa são instrumentos de trabalho, não armas, portanto fui procurar outros exemplos notáveis de dedicação à profissão, e depois de muito procurar, descobri. Dedicação a sério é a do casal Krupa e Ravi Hongal, fotógrafos de Karnataka, na Índia, que venderam a casa para construir uma nova, com o feitio de uma máquina fotográfica, uma das janelas no modelo de uma lente (em grande), outra igual a um visor. Endividaram-se para realizar esse sonho de dezenas de anos, por verdadeiro amor à profissão.
Agora a fotografia está dentro e fora deles, vivem nela, literalmente. E, como se não bastasse, contra toda a família chamaram aos filhos Canon, Nikon e Epson. Isto é que é devoção. Quero ver qual é o ministro das Finanças europeu que é capaz de chamar aos filhos Mário Défice Orçamental, João Dívida Pública e Maria da Sustentabilidade…