Nos últimos anos temos assistido a inúmeras iniciativas que visam promover uma mobilidade mais sustentável e integrada (multimodal) em contextos urbanos. A pandemia e os riscos de saúde inerentes vieram introduzir uma nova variável, a “confiança social”, com impactos variados nos padrões de comportamento da procura por serviços de transporte e nas novas tendências da mobilidade.

Estaremos a assistir a uma mudança de paradigma nos serviços de transporte público e de mobilidade partilhada pressionados pelas regras de distanciamento social e salubridade? Ou verificar-se-á um reforço da utilização do veículo individual privado?

É percetível que a procura por serviços de transporte público e de mobilidade partilhada foi afetada pela evolução da pandemia e está cada vez mais condicionada pelos níveis de confiança social (que dependem do nível de propagação e da perceção de segurança). Estes serviços têm enfrentado recentemente alguns desafios do ponto de vista da operação, entre os quais se destacam:

(i) Procura orientada para serviços de transporte mais “diretos” (entre origem e destino), evitando transbordos e possíveis aglomerações em estações;
(ii) Serviços mais completos assentes numa nova oferta multimodal integrada, mais eficientes e que permitam uma melhor rastreabilidade na utilização, garantindo assim maior segurança e níveis de distanciamento mais elevados;
(iii) Cobertura de redes de transporte alargada a territórios cada vez mais requisitados no crescente contexto de teletrabalho;
(iv) Capacidade de operação limitada (e.g., menor rotação das frotas, redução de lotação) por uma cada vez mais exigente regulação da higienização, salubridade e distanciamento social.

No que se refere à utilização do veículo individual privado, os efeitos da atual pandemia parecem evidenciar (de acordo com inquérito “Observador Cetelem Consumo”) uma preferência por este modo de transporte (64% dos portugueses prefere utilizar o carro nas deslocações casa-trabalho), em detrimento de outras opções coletivas (públicas ou privadas partilhadas).

Se tal tendência se continuar a verificar, existem medidas que poderão ser ponderadas implementar para acomodar eventuais retrocessos na evolução futura de uma mobilidade que se quer cada vez mais sustentável:

(i) incentivo na adoção de opções de trabalho remoto mais flexíveis pelas entidades patronais (quando possível) para permitir uma melhor gestão dos fluxos de deslocações evitando-se horas de ponta;
(ii) introdução de tarifas de congestionamento e opções de estacionamento dinâmico para regular o acesso aos centros urbanos (e.g.: Londres – aplicação de taxas de congestionamento, de emissões reduzidas e ultrareduzidas);
(iii) reforço de políticas de mobilidade sustentável por parte dos municípios (e.g. áreas pedonais, espaços verdes e de lazer, vias para modos suaves);
(iv) intensificação do estímulo à utilização de veículos elétricos (ou de outro tipo de energia não poluente) e à disseminação de infraestruturas de suporte (e.g.: abastecimento) para veículos mais ecológicos.

Face ao exposto, será possível concluir que os serviços de transporte público e mobilidade partilhada operam agora numa realidade mais complexa e mais exigente do ponto de vista operacional que exigirá novas estratégias por parte dos seus operadores. Por outro lado, a preferência pelo veículo individual privado, intensificada durante a atual crise pandémica, obriga a uma nova reflexão sobre a criação de condições que previnam um retrocesso nas várias conquistas alcançadas para o desenvolvimento de uma mobilidade urbana sustentável e mais ecológica.