Desde o início deste século que a união Europeia tem ativamente promovido alterações relevantes em sede de governo societário, do papel e responsabilidades dos administradores e das políticas de remuneração praticadas pelas empresas. Entre o Plano de Ação sobre Direito das Sociedades, a revisão de alguns textos comunitários fundamentais como a 4.ª, 7.ª e 8.ª Directivas de Direito das Sociedades, Recomendações da Comissão Europeia, poucos são os temas intocados pelo omnipresente e assumidamente padronizador legislador comunitário.

De igual modo, também de mote próprio, o legislador português tem prosseguido trajetória similar, admitindo – desde 2006 – três modelos de governo alternativo para as sociedades anónimas: (i) o modelo dito latino, em que existe um conselho de administração ou administrador e um conselho fiscal ou fiscal único, (ii) o modelo anglo-saxónico, em que se cumulam conselho de administração, comissão de auditoria e revisor oficial de contas, e (iii) um modelo germânico, em que se admite que a estrutura de governo societário compreenda um conselho de administração executivo (ou administrador único), um conselho geral e de supervisão e um revisor oficial de contas.

A coexistência de vários modelos de governo visava dar oportunidade às empresas de se organizarem de forma eficiente em função das suas características (eg atividade, estrutura acionista, grau de intrusividade da estrutura acionista) específicas, permitindo ainda maior alinhamento em matéria de Corporate Governance no que a grupos internacionais diz respeito.

A liberdade de escolha não foi, contudo, absoluta ou duradoura.

De forma mais acentuada no decurso da crise financeira de 2008, o legislador tem vindo a densificar as limitações ao modelo de governo das sociedades de interesse público, categoria onde incluiu realidades tão diversas como emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado, instituições de crédito obrigadas à revisão legal das contas, sociedades de titularização de créditos, empresas de seguros e de resseguros e empresas públicas de maior dimensão. Para este tipo de sociedades, não era admissível uma estrutura de fiscalização assente no fiscal único.

Além de limitações de índole legislativa, de cujo acerto o tempo veio a ser juiz, a tendência para a padronização dos modelos de governo veio – também – de stakeholders externos e dos próprios mecanismos de autorregulação.

Assim, com o argumento de que o reporte ao órgão de administração comprometia a independência das funções de controlo, as instituições do setor financeiro tenderam, por opção ou por intermédio de recomendações impostas pelos respetivos revisores de oficiais de contas, a derivar para os modelos anglo-saxónico ou germânico, permitindo assim que o reporte destas funções se dirigisse, essencial ou complementarmente a estruturas independentes dentro do Conselho de Administração.

Finalmente, a autorregulação tendeu também à uniformização das práticas. A apreciação qualitativa e substancial anual das estruturas e práticas de governo das empresas cotadas, desempenhada pela Comissão de Acompanhamento e Monitorização (CAM) tem constituído vetor relevante de mudança – e, com isso, de certa homogeneização – da aplicação dos modelos de governo dos emitentes. Na verdade, o princípio de comply or explain – acolhimento ou fundamentação da não aplicação das recomendações emitidas e, em particular, o elevado grau de cumprimento das recomendações que se verificou desde o primeiro exercício, permitem-nos concluir que as práticas societárias tendem – independentemente do modelo concretamente prosseguido – a uma certa harmonização substantiva de procedimentos.

Ora não ignoramos a relevância que o modelo de governo – como a sua aplicação – têm na estabilidade das empresas (aqui se incluindo estabilidade acionista), na sua sustentabilidade ou, sobretudo, capacidade de atração de investimento ou prossecução de atividade, designadamente quando em atuando ou transacionando com geografias de maior sofisticação.

De igual modo, o compliance empresarial – por via de matérias tão díspares como controlo interno, due process, prevenção do conflito de interesses, etc. – não anda arredado destas matérias, tendo relevância crescente nas decisões de investimento e na capacidade das empresas em aceder aos mercados. Afinal de contas, como dizia Sartre a propósito de temas bem menos mundanos, “Nós somos as nossas escolhas”.

Isto explica a progressiva convergência a que vimos assistindo entre dois mundos que – durante muito tempo – se foram construindo, afirmando e desenvolvendo cada um por si: Corporate Governance e compliance. Um e outro não subsistem hoje isoladamente, e mesmo fugindo a padronização indevida, o custo do desalinhamento com as práticas comumente aceites é elevado.

Isto leva-nos ao vocábulo “govliance”, neologismo feliz que Costa Pinto introduziu recentemente no léxico empresarial e que é a tradução moderna da conhecida frase de Henry Ford sobre a capacidade de escolha do consumidor sobre a cor do famoso modelo T: as escolhas estão a ser progressivamente limitadas. Mas esta limitação é porventura o preço a pagar pela comparabilidade, que favorece sempre a decisão informada, seja ela de gestão ou de investimento.