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Monte da Ravasqueira: Das adegas alentejanas para as mesas da China e dos EUA

Negócio de vinhos do Grupo José de Mello isolou as exportaçõese a criação de valor como vetores de desenvolvimento. No ano passado,o volumede negócios disparou 30%e a tendência mantém-se positiva em 2019.
21 Abril 2019, 13h00

A dupla função de administrador executivo e de chefe de Enologia que Pedro Pereira Gonçalves assume no Monte da Ravasqueira – a empresa do Grupo José de Mello dedicada aos vinhos – confere-lhe uma posição de 360 graus no topo da pirâmide de decisão, o que o levou a isolar duas vertentes fundamentais para o processo de desenvolvimento. “As exportações são muito importantes para a empresa e, nesse quadro, a China e os Estados Unidos assumem uma posição vital”, disse, em entrevista exclusiva, ao Jornal Económico.

Mas não a qualquer custo, adianta o mesmo responsável: “iremos se conseguirmos criar e sustentar valor, e não movidos por uma qualquer moda ou um imperativo de negócio que surja ao acaso.” Até porque, para Pedro Pereira Gonçalves, as exportações escondem ‘ratoeiras’ a que importa escapar – encontrando-se entre elas a necessidade de emagrecer margem bruta para criar mercado, o aumento dos custos de transporte e os imponderáveis do desconhecido, onde avultam as idiossincrasias próprias de cada geografia que tantas vezes acabam por atirar por terra uma operação aparentemente bem montada.

É também este sinal de reserva face à ‘mania’ das exportações para todo o lado que explicam o lado mais conservador da Ravasqueira no que toca à definição dos seus mercados-alvo: “A maior fatia do negócio continua a estar concentrado em Portugal, que absorve cerca de 60% do volume de negócios.” Um indicador que atingiu os nove milhões de euros no final do exercício de 2018 – um ‘salto’ na ordem dos 30% em relação ao ano anterior.

Mesmo assim, a experiência nas exportações está, na Ravasqueira, consolidada: respondendo pelos restantes 40% da faturação, tem nos mercados do Brasil, da Polónia (em parte à custa da cadeia de supermercados Biedronka) e da Alemanha os seus principais destinos. Não sendo uma empresa de Vinho do Porto, “a nossa exposição ao mercado do Reino Unido é residual”, o que, nos dias de absoluta incerteza que correm do lado de lá do Canal da Mancha, não deixa de ser, ‘just in case’, uma boa notícia.

Aumentar os preços

Outro dos focos estratégicos da Ravasqueira é aumentar o preço médio dos vinhos que saem das suas adegas. A empresa do Grupo José de Mello chegou a estar focada unicamente no segmento premium, mas acabou decidir a abertura de outras frentes que pudessem aumentar a exposição ao consumidor – até porque, como afirmava, Pedro Pereira Gonçalves, “o mercado queria aceder à produção da Ravasqueira”. Essa abertura foi realizada, mas agora a empresa quer aumentar as margens, para consolidar a rentabilidade.

O enoturismo – “já recebemos cerca de 10 mil visitantes por ano”, salienta Pedro_Pereira Gonçalves – é também um ativo que tem vindo a assumir uma posição de relevo no negócio da Ravasqueira, sem que, para já, haja a intenção de investir na hotelaria. “A nossa oferta não está destinada a que as visitas pernoitem”, refere o administrador da empresa – que, nos três mil hectares que ocupa, também tem agricultura, cortiça e criação de gado.

Mas a aposta no turismo não está colocada de lado. Aliás, depreende-se pelas palavras de Pedro Pereira Gonçalves, nada está posto de lado. “Não pomos de parte crescermos por via de novas aquisições”, afirma, para explicar de seguida que esse crescimento possível (que seria sempre feito para terrenos onde a água não fosse um problema, e a água é um problema) também não coloca de parte a expansão para outras denominações de origem, tal como têm feito concorrentes mais ou menos vizinhos, como é o caso da Herdade do Esporão.

Uma experiência próxima disso foi já tentada: a Ravasqueira também já produz e comercializa vinhos de Lisboa e Vale do Tejo, uma espécie de abordagem experimental fora da ‘zona de conforto’ do Alentejo.

De qualquer modo, e neste momento, a dimensão do ‘terroir’ – que chegou às mãos da família Mello na década de 1940 – é o necessário e suficiente para a Ravasqueira assegurar a criação de valor e a sustentabilidade de que necessita. E, para alavancar essa sustentabilidade, o (também) enólogo da empresa explica que um dos focos da estrutura que dirige “está na inovação e na modernidade” que envolve toda a cadeia produtiva. São essas características, enfatiza, que devem estar por detrás de um negócio que tem a sua base na tradição e numa espécie de conservadorismo de métodos, de etiquetas e de objetivos, que por vezes deitam a perder um bom racional de negócio.

História de família

Quando o patriarca da família (Manuel de Mello, que era genro de Alfredo da Silva, o maior empresário do seu tempo, e cunhado de António Champalimaud) faleceu, no ano de 1966, o Monte da Ravasqueira passou para José Manuel de Mello, um dos seus filhos, que ali se dedicaria à agricultura, ao apuramento da raça do Cavalo Lusitano e, mais tarde, à plantação de vinha. Ali cresceram os seus 12 filhos, que hoje lideram o Grupo José de Mello. O Monte da Ravasqueira tornou-se, ao longo dos anos, um dos maiores empregadores da região: mais de 300 pessoas da região de Arraiolos.

Foi apenas em 1998 que José Manuel de Mello deu início ao projeto de vinhos, plantando as primeiras vinhas no Monte da Ravasqueira. Da colheita de 2002, chegou ao mercado o primeiro vinho do Monte da Ravasqueira: um vinho tinto que foi comercializado até meados de 2017.

Já depois do falecimento de José Manuel de Mello (2009), mais propriamente em 2012, Pedro Pereira Gonçalves assumiu o desafio de repensar a filosofia de enologia do Monte da Ravasqueira e o perfil dos vinhos, apostando no crescimento sustentado da marca, com o objetivo de a tornar uma referência do Alentejo. O ano de 2017 ficou marcado por um ajustamento na identidade da marca e por um processo de reposicionamento comercial: a renovação do portfólio passou a integrar duas grandes gamas – Monte da Ravasqueira e Ravasqueira.

É esta a envolvente da Ravasqueira – cujo presidente é Pedro de Mello – que, segundo o seu administrador, deverá crescer novamente este ano. Para já, em termos homólogos, “2019 está a crescer 15%”. Mais adiante se verá se essa percentagem é para manter ou, como a vinha, para crescer.

Surfar a vinha

Engenheiro agrónomo de formação, com especialização em Viticultura-Enologia, pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, Pedro Pereira Gonçalves, administrador executivo do Monte da Ravasqueira, é responsável por toda a área de negócio de vinhos. Trabalhou nos principais países do Novo Mundo dos vinhos, nomeadamente Austrália, Chile e Nova Zelândia, tendo passado ainda pela UC Davis, uma universidade californiana que é a referência internacional do setor.

Já no seu percurso como gestor executivo passou pela Universidade Católica Portuguesa, Kellogg University, em Chicago e Harvard Business School, em Boston.

Apaixonado pela vinha e pelo surf, Pedro Pereira Gonçalves encontrou no Monte da Ravasqueira um Alentejo diferente do habitual. “A Ravasqueira tem 45 hectares de vinha, dividida em 28 blocos. Costumamos dizer, a quem nos visita, que não temos uvas melhores ou piores, mas uvas ideais para cada perfil de vinho pretendido”, explica.

Apesar de estar integrado no quadro de um grupo económico, o Monte da Ravasqueira mantém intacto o seu papel genuino de agregador familiar. Foi naquela casa que os filhos de Manuel de Mello ficaram a saber como é o mundo, ou parte dele, e para onde regressam sempre.

Artigo publicado na edição nº 1983 de 5 de abril do Jornal Económico

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