Em 2020, a disseminação da Covid-19 e as medidas de combate à sua progressão provocaram a contração mais acentuada da história recente da economia mundial. Os mercados financeiros logo reagiram aos primeiros sinais de alarme.

Entre janeiro e março de 2020, as 100 maiores empresas do mundo, em capitalização bolsista, perderam em média 15% do seu valor em bolsa, o que correspondeu a uma queda de 3,9 biliões de dólares (PwC, Global Top 100 Companies by Market Capitalization). No mesmo período, a capitalização bolsista do PSI 20 sofreu idêntica redução em termos percentuais (8,9 mil milhões de euros, em valor absoluto), sendo que um ano depois a maioria das empresas deste índice ainda permanece muito aquém do seu valor de mercado no final de 2019.

Em 31 de março de 2021, a maior descida percentual face a 2019 era protagonizada pelo BCP (-42,8%). A nível mundial, o setor financeiro também foi um dos mais afetados, penalizado por um contexto de baixas taxas de juro a que se juntaram significativas perdas de crédito esperadas.

A crise financeira de 2008 veio mostrar as deficiências do modelo contabilístico de então (IAS 39) no que concerne a perdas por imparidade para risco de crédito, por resultar num reconhecimento tardio e insuficiente. Apenas eram registadas imparidades caso já tivesse ocorrido um “acontecimento de perda”. As perdas futuras esperadas não eram reconhecidas, independentemente do seu grau de probabilidade.

Em 2018, foram adotadas alterações ao normativo internacional (IFRS 9), passando de um “modelo de perdas incorridas” para um “modelo de perdas esperadas” que considera fatores macroeconómicos, bem como outra informação histórica e prospetiva relevante e, em caso de agravamento significativo de risco de crédito, obriga ao reconhecimento das perdas estimadas para todos os possíveis incumprimentos ao longo da duração esperada da operação. O objetivo é transmitir informação mais relevante e tempestiva. Contudo, foi introduzido um maior grau de complexidade e julgamento no cálculo destas imparidades, cabendo à gestão avaliar.

Sob o atual modelo, o BCP registou, em 2020, um total de 841,3 milhões de euros de imparidades e provisões, mais 35,6% do que em 2019. Porém, como salienta o relatório de auditoria às contas, o contexto da pandemia aumentou a complexidade e a incerteza, subjacentes a tais estimativas, ao incorporar novos pressupostos e julgamentos, designadamente quanto aos efeitos das moratórias associadas à Covid-19, identificação de situações de aumento significativo de risco de crédito, definição de cenários macroeconómicos e probabilidades de ocorrência.

O que as contas refletem é a estimativa da gestão, perante este mar de incertezas. O mercado parece estar mais pessimista quanto à qualidade dos ativos e rentabilidade futura, corrigindo o price-to-book value de 0,50 para 0,30, em 2020.

Com o fim das moratórias, sem um eficaz plano de apoio aos segmentos da economia mais afetados pela crise, o setor bancário poderá registar perdas substanciais, muito para além das imparidades relatadas nas contas de 2020.

Segundo o FMI, em caso de recessão prolongada, haverá bancos a necessitar de operações de recapitalização que, nos sistemas bancários mais frágeis, poderão depender de injeções de fundos públicos (CMVM, Risk Outlook para 2021). Com o fim das moratórias, sem uma saída ordenada, estão criadas as condições para uma tempestade perfeita.