Quando a 28 de agosto de 1963, no Lincoln Memorial, em Washington D.C., Martin Luther King Jr. proferiu o seu mais famoso discurso – “I have a dream” – estaria certamente longe de imaginar que a luta pela igualdade que ele encarnava haveria de seguir, décadas mais tarde, o caminho oposto ao do seu sonho.
O homem que melhor simboliza o movimento pelos direitos cívicos – luta pela qual pagou o preço mais elevado –, tinha o sonho de que um dia os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos donos dos escravos se sentassem à mesma mesa como irmãos. E tinha o sonho de viver numa sociedade em que todas as pessoas fossem julgadas não pela cor da sua pele, mas apenas pelo conteúdo do seu carácter.
Em pleno século XXI, porém, a igualdade deixou de significar que todos os homens e mulheres são irmãos, porque partilham da mesma dignidade intrínseca. As muitas diferenças que as pessoas ostentam – de cor, raça, género, origem, condição social ou orientação sexual –, e que durante décadas se procurou que não tivessem nenhuma consequência no respetivo estatuto jurídico e político, transformam-se agora, para muitos, na razão de ser da sua própria existência.
Onde o movimento pelos direitos civis queria aproximação e união, os novos ativistas pela “justiça social” querem identidade, separação e confronto. Das universidades à comunicação social, dos parlamentos aos serviços públicos, do mundo da cultura às organizações não governamentais, de todo o lado surgem exemplos de novos “apartheids”, designadamente sob a forma de “safe spaces”.
Tal como Marx acreditava que a luta de classes podia explicar toda a história da humanidade, assim os novos doutrinadores “woke” julgam que a dicotomia entre privilegiados e oprimidos ou entre maiorias e minorias explica todas as relações sociais, sem exceção.
Por esse motivo, nutrem uma profunda aversão por todas as dicotomias, vivem obcecados com a linguagem, sustentam o mais absoluto relativismo cultural, e glorificam o grupo, em detrimento do indivíduo e do universal.
Assim, em primeiro lugar, a aversão pelas dicotomias leva-os a fazer um grande esforço por diluir todas as fronteiras: entre homem e mulher, masculino e feminino, razão e emoção, legal e ilegal, ciência e outros saberes.
Em segundo lugar, a fixação obsessiva com a linguagem decorre de julgarem que esta não é um instrumento de comunicação capaz de unir diferentes pessoas, apesar das suas diferentes mundividências, mas sim um instrumento de opressão, cujo uso corrente apenas perpetua os sistemas de poder dominantes na sociedade ocidental.
Em terceiro lugar, tudo é um produto da cultura – a natureza está praticamente ausente das relações humanas – e, num mundo pluralista, todos os produtos culturais e todos os saberes têm rigorosamente o mesmo valor. Todas as experiências são iguais e todas devem ser tomadas em conta, embora as dos grupos marginalizados e silenciados sejam mais iguais do que as outras, mormente as associadas à cultura ocidental.
Finalmente, os prosélitos destas correntes ideológicas consideram que o indivíduo é irrelevante e que a ideia de universalidade (de direitos) é uma ilusão. O que interessa são os grupos, os subgrupos, da dinâmica de grupo e a interseccionalidade. Para a política de identidade, o que importa são as pessoas que partilham a mesma experiência.
Haja esperança, porém. O próprio Martin Luther King era um homem de fé e acreditava que, como Paulo escreve na sua carta aos Gálatas, “não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher” porque todos somos um só – e, bem assim, que “o arco do universo moral é longo, mas pende sempre para o lado da justiça”.