No debate sobre a inovação tecnológica, repete-se uma ideia feita: a Europa está condenada a andar atrás dos EUA porque aqui a regulação pesa mais.
À primeira vista, essa leitura até parece confirmar-se. O ecossistema tecnológico norte-americano nasceu num ambiente quase sem restrições legais, onde o “move fast and break things” se tornou o mantra de uma geração que construiu unicórnios em série no ‘Vale do Silício’. Já a Europa, ganhou a reputação de ser o continente onde a inovação tropeça na burocracia impostas por reguladores e directivas.
Crescer rápido sem limites legais pode ser tentador. Afinal, os EUA criaram gigantes globais ao permitir que experimentassem em larga escala, sem olhar a custos sociais ou éticos. Mas hoje, algumas dessas empresas enfrentam multas pesadas e uma crescente desconfiança pública. A ausência de regras não evitou riscos, apenas os adiou, tornando inevitáveis correções mais difícieis e dispendiosas.
Essa é precisamente a lição que outros setores já tinham aprendido: sem regras, o crescimento cobra sempre a sua fatura. O que no ecossistema tecnológico europeu ainda parece um dilema, noutros setores foi resolvido há muito. A regulação foi o que lhes permitiu crescer com confiança. São disso exemplos a aviação, onde a regulação impõe certificações técnicas rigorosas antes de cada voo, e a farmacêutica, em que só após longos ensaios clínicos regulamentados um medicamento pode chegar ao mercado.
Ou seja, sempre que a tecnologia toca diretamente na vida das pessoas, como é o caso da inteligência artificial, a sociedade exige regras. E a experiência é clara: em setores críticos, as regras não travaram a inovação. Pelo contrário, ajudaram-na a ganhar escala sustentada e a conquistar confiança pública.
O mundo começa a alinhar-se, deixando claro que estas obrigações vão tornar-se um standard internacional inevitável. Já não é apenas a Europa a puxar pela agenda: a Califórnia aprovou há dias o AI Transparency Act, que obriga plataformas a identificar conteúdos gerados por IA e a garantir informação sobre a origem e contexto dos conteúdos até 2027; Singapura expandiu o seu AI Governance Framework para abranger modelos generativos; e no Brasil avança o debate em torno do Marco Legal da IA.
Em Portugal, o anúncio de que a ANACOM vai assumir o papel de autoridade fiscalizadora da Inteligência Artificial confirma a mesma tendência. Por isso, para quem ainda se pergunte se deve preparar-se ou esperar para ver, a mensagem é inequívoca: a regulação atingiu o ponto de não retorno. E esperar para ver já não é uma estratégia — é um risco.
O que muitos confundem com entraves ou consideram burocracia é, na verdade, um diferencial. A inovação que nasce com compliance by design inspira confiança, acelera rondas de investimento, fecho de contratos e abre portas a parcerias globais.
Crescer rápido, sem alicerces dificilmente resiste ao teste do tempo e o capital inteligente já não se satisfaz apenas com ideias brilhantes. Investidores, clientes e parceiros internacionais procuram organizações investor-ready desde o primeiro momento, com a garantia de que não vão tropeçar em fragilidades estruturais — uma patente por registar, um dataset mal licenciado ou um contrato mal estruturado.
A Europa não está destinada a perder para os EUA por causa da regulação. Está, na verdade, a criar as bases sólidas para que as suas empresas escalem com confiança e credibilidade internacional. E, no longo prazo, é a confiança que faz a diferença e quem souber transformá-la em vantagem não vai apenas escalar, vai permanecer.