“Out of Time” e “Old Habits Die Hard” são duas baladas de Mick Jagger, ambas fora do repertório dos Rolling Stones. A primeira data de 1966 e ouvia-a, ainda teenager, nas discotecas de Scarborough, uma cidade balneária de Yorkshire, Inglaterra. A segunda é de 2004 e consta da banda sonora do filme “Alfie”, cuja ação decorre em Nova Iorque. Quando as oiço lembro-me de Portugal – país manietado por incapacidades aparentemente incompreensíveis e surrealistas, que continua fora de tempo, que não consegue acompanhar o ritmo de outros mais rápidos e mais audazes a sacudir velhos hábitos.

Aparentemente, estamos a progredir. Há quem preveja que a economia portuguesa cresça 1,7%. Mas, que incómodo, isso não basta. É preciso consistentemente pelo menos 2% para alcançar o chamado “pelotão da frente” e ir pagando a dívida. Como atingir esse objetivo, ninguém sabe, ninguém diz. Qual o lugar de Portugal na UE do futuro, ninguém sabe, ninguém diz. Escreveu há dias Pedro Ferraz da Costa, do Fórum para a Competitividade, que nenhum dos partidos políticos portugueses tem qualquer documento de fundo sobre a sua visão europeia. E critica o desperdício das oportunidades que a UEM nos abriu e que continuamos a desperdiçar por sermos mal governados.

A má governação resulta da cultura nacional. Cultura é um sistema de valores, crenças, comportamentos e normas segundo a definição do World Values Survey (WVS), uma rede global de cientistas sociais que estudam as mutações dos valores e o seu impacto na vida social e política, com sede em Estocolmo. Este sistema de valores é utilizado para lidar com o mundo e para as relações entre cada um de nós. Passa pelas gerações através da aprendizagem.

Os valores são ideais de certo e errado (bem e mal), como por exemplo, a lealdade ao país e o sentido do dever ou, inversamente, o abuso de autoridade e a cobardia. As crenças são uma imagem da realidade partilhada por um grupo. Por exemplo, os papéis apropriados a cada género ou a justificação dos poderes do governo. Os comportamentos são padrões de ação observáveis. Por exemplo, linguagem corporal, comportamentos em grupo (falar, maneiras à mesa) ou o modo de vestir (estilo, trabalho v. lazer). As normas referem o padrão de comportamentos permissíveis estabelecidos pelo grupo, como aquelas que são expectáveis e qual o padrão de tolerância (modo de cumprimentar).

Os estudos do WVS foram concebidos para medir as principais áreas de preocupação humana, desde a religião à política e à vida económica e social. A análise dos dados feita pelos cientistas Inglehart e Welzel, e grafadas no Cultural Map desde 1981, revelam que há duas dimensões que dominam o retrato: valores Tradicionais versus valores Seculares. Dito de outro modo, os valores seculares de Autoexpressão (independência intelectual, menor religiosidade) opõem-se aos valores tradicionais de Sobrevivência/Conformismo (dependência de figuras paternais, por exemplo). Estas duas dimensões explicam mais de 70% da variação cultural cruzada com reflexo em numerosos valores mais específicos.

Segundo o WVS, Portugal está na fronteira entre o tradicional/conformismo e o secularismo/autoexpressão. Em 2005, Portugal era o único país europeu cujos valores, crenças e comportamentos o colocavam não na Europa mas na América Latina. Em 2014, Portugal aparece colocado no grupo da Europa Católica, que inclui países como França, Itália, Espanha ou Polónia, perto da Grécia e com valores idênticos aos do Vietname ou Tailândia, que fazem parte do grupo Ásia do Sul. Os outros grupos são Europa protestante, que apresentam os valores mais elevados de secularismo/autoexpressão (Suécia, Alemanha, etc.), língua inglesa (EUA, RU, etc.), Báltico, África/Islâmico, Ortodoxos e Confucianos.

Claro, Portugal apresenta exceções, mas não são suficientes para mudar a imagem global que temos de nós próprios e que é o elemento primordial para modificar a perceção de Portugal feita do exterior – tal como a chamada cultura empresarial que emana de dentro para fora das empresas ao ser transportada pelos próprios funcionários da empresa.

A imagem de Portugal que é recebida pelos investidores estrangeiros, obrigados a cumprir normas impiedosas para a alocação de investimentos, está gravada em pedra nos números, nas estatísticas a que todos têm acesso. Infelizmente, e embora algumas estatísticas tenham melhorado (défice), outras nem por isso (dívida), a que se soma desconfiança na solução governativa. Segundo Luís Todo Bom, a solução para a alteração da perceção de risco político face a Portugal, que tem origem na atual fórmula de governação, implica a execução de um conjunto de ações estruturadas e alinhadas nesse sentido. Seria útil, mas creio que é preciso ir às profundezas da nossa maneira de ser e de estar.

Quanto a mim, Portugal precisa do que aqui designo poeticamente por Movimento Inovação e Trabalho (MIT): inovação social, pelo desenvolvimento do secularismo e afirmação da autoexpressão, e pela adoção dos conceitos sociológicos e económicos que enformam a chamada ética protestante do trabalho, que coloca a ênfase na frugalidade e na disciplina e que tanto sucesso tem tido na Suíça, Suécia, Alemanha, Holanda, entre outros.