Recordo a metáfora utilizada pelo Professor Mike Rosenberg para explicar o rumo e a dinâmica das nossas carreiras profissionais. Para o Professor, quando na universidade optamos por um curso e posteriormente escolhemos um setor e um país para trabalhar estamos a selecionar um rio onde navegar. Podemos ter várias opções durante a navegação – designadamente, o tipo de embarcação, os artefactos e as pessoas que queremos levar connosco, a velocidade a que queremos navegar – porém, todas essas opções são irrelevantes no trajeto inalterável do rio da nascente até à foz.
Com o passar do tempo, a nossa embarcação – como a nossa carreira e vida – vai ficando mais pesada e rígida, na medida em que passamos a transportar nela a nossa rede de contactos, a nossa família e amigos, um crédito à habitação, etc. Assim, a nossa capacidade de mudança vai diminuindo com a evolução normal da vida.
Trocar de carreira pode ser tão difícil como mudar de um rio para outro, subindo e descendo uma montanha, transportando às costas a nossa embarcação e todo o seu conteúdo. Enquanto somos novos e fortes e a nossa embarcação está leve, esta mudança é possível. Mais tarde, pode tornar-se muito mais complicada.
As pessoas que querem mudar de carreira são normalmente confrontadas com inúmeros argumentos contrários que as fazem ir protelando a decisão. Gostaria de focar dois dos mais recorrentes: (i) fazer mudanças abruptas na carreira é um erro, e os erros pagam-se caro; (ii) o esforço e brio que colocamos no que fazemos levam sempre ao sucesso e ao reconhecimento do nosso mérito. Estes dois argumentos parecem verdades irrefutáveis. Porém, vou partilhar algumas ideias em sentido contrário.
O nosso trabalho habitual proporciona-nos conforto, estatuto e segurança e enquanto estamos nesta condição, a nossa disponibilidade, capacidade de esforço e de risco e criatividade são muito reduzidas. Ora são precisamente estes atributos – tempo, esforço, capacidade de risco e criatividade – de que necessitamos para viver uma mudança de carreira bem-sucedida, conhecendo pessoas fora da nossa rede de contactos, procurando diferentes experiências em diferentes áreas, falhando várias vezes pelo caminho. Alimentar uma ideia de mudança de carreira sem criar uma rutura – ainda que minimamente controlada – pode significar viver num engano que, com o passar do tempo, fará desaparecer a janela de oportunidade de mudança.
Por outro lado, não há que estigmatizar o erro e o falhanço, nem sobrevalorizar o mérito. Quem não erra ou falha é porque não sai da sua zona de conforto. O mérito, sendo dos fatores mais importantes para permanecermos dignos ao longo da nossa vida, pode estar pouco ou nada relacionado com o nosso sucesso e a nossa felicidade. De nada serve trabalharmos mais de 12 horas por dia numa empresa cujo setor está em declínio há vários anos e alimentar a ideia de que iremos ter muitas oportunidades por sermos dedicados.
Podemos ter todo o mérito do mundo e nunca chegar a lado nenhum, pois num setor em declínio existirá sempre muito mais talento e mérito do que oportunidades profissionais. Acresce que procurar felicidade e satisfação internas no reconhecimento externo do nosso mérito pode significar desistir dos nossos sonhos para viver a vida e objetivos de outras pessoas ou entidades. Para sermos felizes numa carreira temos de gostar do processo, do dia-a-dia e não apenas do reconhecimento externo ou do potencial de sucesso que essa carreira proporciona. Assim, de nada serve o mérito, se não existem oportunidades e se não tivermos motivação intrínseca no que fazemos.
Termino assim com duas recomendações para quem está a pensar mudar de carreira: quanto mais cedo, melhor; e não tenham medo de criar roturas.