Francisco, olhando o simbolismo de um ato recente, desembarcou em Tallinn de jeans, demonstrando que a estrutura diplomática vaticanista se está a desconectar da sua visão de magistério. Claro está, também pode ser o estilo Francisco, uma leitura marcelista da função, a retirar-se da grandeza das viagens apostólicas para dar lugar a uma descida figurativa aos territórios mais pobres de Buenos Aires que a Estónia também comporta.

Quando olhamos as imagens de Francisco, no encontro com luteranos, constatamos a energia e a juventude dos crentes presentes, e quando reparamos no encontro com a comunidade católica pouco de futuro se encontrava, muito de resistência aos tempos do comunismo se elegia. Francisco, ao contrário de João Paulo II, não consegue transformar o espaço livre, depois da queda do muro, em tempo de esperança com uma mensagem que encante e que faça Igreja.

Os luteranos são cristãos e têm o seu encantamento. Martinho que, apesar de ser único e simples, conseguiu afirmar uma visão do mundo diferente de Roma, construiu uma comunidade de “terra plana” que, nos dias de hoje, se afirma mais capaz para responder aos desafios da procura da santidade através da ação diária.

A visão de Lutero não é muito diferente, na descentralização da Igreja e na forma como se relaciona com os fiéis, da que veio a ser considerada pelo Vaticano II com a consagração das prelaturas pessoais. Está claro, estas prelaturas assumem uma autonomia cínica, porque nunca contestam a infalibilidade papal, mas, no contacto com os crentes, atuam dinamitando-a.

Os luteranos não têm Vaticano. A sua organização é muito horizontal e assume-se na responsabilidade da comunidade. Há uma teologia com tronco comum, há práticas que se fundem, mas também há especificidades que se afirmam. É por isso que os luteranos, os muitos milhões que existem espalhados pelo mundo, se reúnem numa Federação e não numa rigidez de dependências.

A Federação Luterana Mundial, uma comunhão de igrejas, tem como presidente Munib Younan, bispo com um território muito simbólico como é o da Jordânia e da Terra Santa. Talvez não seja por acaso esta escolha do Espírito Santo, assim o considero eu que nele creio, porque aqui está o ponto inicial do caminho dos cristãos, a mais importante elevação terrena da presença de Jesus.

Mas os Luteranos aparentam ter uma leitura fina das novas realidades geopolíticas, ou por atrevimento filológico, novas realidades geoteológicas. O executivo da Federação Luterana, aquele a quem cumpre afirmar a identidade e a perenidade, é, tão só Martin Junge, um chileno que veio antecipar o valor facial da América Latina nas igrejas mundiais antes do cardeal Jorge Mário Bergoglio.

Jungue é um dos mais relevantes autores do “Mutual Recognition of Baptism”, consagrado em 1999 e que incluiu as igrejas católica, a ortodoxa síria, anglicana, luterana, metodista e pentecostal.

Este é um ato instituidor da maior relevância, porque é também o ato fundador da nossa pertença ao Deus único que reúne todas estas forma de O olhar na terra, de O representar e Dele nos socorrermos perante as dúvidas terrenas de cada dia.

A autoridade de Munib, pela sua importante leitura do mundo a partir do início, a energia evangélica e a consciência missionária de Jungue, resultaram numa dinâmica que tem atraído novos grupos de participantes na comunhão de irmãos e de novos aceitantes da palavra, mais simples e mais agregada ao mundo, que os luteranos têm vindo a mostrar válidas.

As igrejas luteranas estão hoje coincidentes com os escritos bíblicos na sua extensão perante cada tempo e cada realidade. As leituras de família e a paridade da presença das mulheres na ação religiosa não assumem divergências com o caminho das sociedades modernas. Antes, elas resultam muito mais de uma interpretação correta do papel e do simbolismo de Maria para além da mera evocação simbólica, papel secundário de Mãe submissa que os católicos sempre dela tiveram.

A ordenação das mulheres aportou, pois, novas dinâmicas, até porque sempre foram elas os motores das famílias e das comunidades, sem se mostrarem fundadoras, mesmo que secundarizadas, das inovações e dos avanços.

Roma não entende que a realidade social dos tempos deixou de permitir que as religiosas se possam “casar” unicamente com Cristo e através deste com Deus. Roma é profundamente reacionária perante a emancipação. Foi assim com o nascimento da classe média e a redução do número de pobres que eliminaram a caridade dos ricos. Será assim, também, com a inevitabilidade dos direitos iguais entre géneros no acesso aos magistérios complexos das dioceses e das congregações.