O primeiro-ministro defendeu que a descentralização administrativa de 2019 é a “pedra angular da reforma do Estado”, mas a ideia é má, está mal construída e está a correr mal.

É má ideia porque em vez de uma regionalização, com instituições eleitas e com poderes bem definidos, o Estado Central envia para os municípios poderes que são ineficientes nos concelhos e que só teriam sentido em regiões administrativas. A figura do presidente da Câmara ganha novos poderes aumentando o risco de nepotismo e corrupção e pondo em perigo a universalidade da resposta pública aos cidadãos. Esta reforma cria um país a várias velocidades, deixando ainda mais para trás os concelhos do interior.

Está mal construída porque atira para as autarquias locais um conjunto de competências para as quais as Câmaras Municipais não estão preparadas. Aliás, ainda não é claro o pacote financeiro que o poder local terá para desempenhar as novas competências, mas já se sabe que não será suficiente para as responsabilidades que aí vêm. Para além disso, os milhões dos fundos comunitários passam a ser geridos pelas associações de municípios, longe do controlo democrático dos cidadãos.

Está a correr mal porque mais de 60 autarquias recusaram aceitar a descentralização administrativa e apenas três das dez maiores Câmaras do país aceitaram as novas competências. Porto, Vila Nova de Gaia, Sintra, Loures, Braga e Matosinhos recusaram e criticaram o Governo por não promover um processo transparente. O caso mais grave é o de Coimbra, em que o seu presidente foi o homem forte do PS para negociar a reforma e que viu a Assembleia Municipal de Coimbra chumbar o processo. É o salve-se quem puder.

Não é para menos, as Câmaras vão passar a ter competências nas áreas da Educação, Saúde, Cultura, Património e Vias de Comunicação. Os erros da descentralização anterior, que ficaram patentes com a tragédia da pedreira em Borba, não terão feito o Governo aprender nada.

Mas tomemos o caso da Educação para ilustrar os erros da municipalização que o Governo está a fazer. O pacote financeiro total, para que todas as Câmaras aceitem as competências de Educação, Saúde, Cultura está apontado nos 800 milhões de euros. Parece muito dinheiro, mas se fosse usado apenas na Educação significava que os municípios iriam receber cerca de 300 mil euros por escola para fazer a manutenção, pagar todos os salários do pessoal não docente, pagar as refeições escolares, a ação social aos alunos e ainda recuperar as instalações em escolas onde muitas vezes há mais de mil alunos.

Seria impossível fazê-lo com essa verba, mas o problema é que os 800 milhões de euros terão de servir ainda para a manutenção de todos os equipamentos de saúde e de cultura e para os salários das pessoas que aí trabalharem. É o salve-se quem puder.

Parece ainda que o primeiro-ministro António Costa se esqueceu que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa António Costa decidiu não aceitar a gestão dos assistentes operacionais há uns anos atrás, por considerar que o pacote financeiro era insuficiente e seria um erro para a autarquia.

“Um fiasco”, foi como o diretor do Expresso caracterizou a descentralização administrativa, e tem toda a razão porque esta reforma não é mais do que um empurrar dos problemas do Estado Central para as autarquias. O centrão do PS e PSD, que esperam ser governo à vez, querem atirar para cima dos seus presidentes de Câmara os problemas que não conseguem resolver. Querem maior exemplo de centralização?

Quando alguém quiser resolver os problemas que a centralização dos poderes do Estado traz para as populações teremos de discutir a regionalização, mas parece que o centrão só quer fugir desse debate.