O Apocalipse morreu no dia 26 de março de 2019, a Internet não vai fechar, a censura não vai começar, não passaremos do Woodstock Digital para um regime Maduro. Amanhã já ninguém falará como nos slogans, e outro ciclo vai começar. A esta hora, mera retórica, pois tal já começou há muito, preparam-se, discretamente, os grandes acordos entre as empresas que gerem plataformas albergando conteúdos protegidos pelo Direito de Autor, e os representantes dos titulares destes. A mediar, a ajudar, a editar guidelines, como lhe comina a diretiva, estará a Comissão, uma das grandes interessadas em demonstrar que o novo sistema “funciona”.

Já nenhuma lei prescinde dos seus guidelines. Se estes valem em tribunal, o Futuro dirá. Do mesmo modo, também as empresas de Comunicação Social devem estar a burilar os seus acordos-padrão com as plataformas tecnológicas. Por isso, no final ninguém perderá. As plataformas tecnológicas viverão com a vantagem de um sistema unificado, culminando num tribunal acima dos Estados que evita uma peregrinação judicial, como se tem verificado até hoje, com decisões desencontradas quanto ao Youtube, por exemplo. E os autores, artistas, intérpretes e executantes, bem como os jornalistas, passarão a receber remunerações que, em muitos casos, não tinham.

Este será mais um exemplo de que o tempo das grandes leis morreu de vez. Já vivemos no tempo, gostemos ou não, das leis flexíveis, compromissórias, o tal direito mega wave, polvilhado de cláusulas gerais que deixa tudo nas mãos dos intérpretes, leia-se juízes. Eis que o modelo do case law cada vez mais se impõe. Mas é aqui que é necessária uma reflexão profunda, nomeadamente entre nós. Com o triunfo da Economia Digital, com a próxima imposição da robótica grande público, é urgente, dramaticamente urgente, (re) formar os nossos tribunais. No limite, dotá-los de jovens magistrados vocacionados para estes temas e que ajudem os mais velhos, avançar com juízos experimentais, como em tempos se fez noutras áreas.

Finalmente, uma palavra sobre o velho Direito de Autor que resistiu, uma vez mais, quando tudo parecia perdido. Tem vencido sucessivas batalhas tecnológicas, desde o meio defunto Napster. Todavia, este já não será o mesmo Direito de Autor de Balzac e Almeida Garrett, este é, definitivamente, mais um direito das redes, não haverá ponto de retorno. O streaming, que salvou a indústria musical, venceu e até as grandes empresas, como a Apple, vão à guerra com o Spotify. O rapper americano que “vende” mais música, vendeu 823 álbuns físicos numa semana. Nesse mesmo período de tempo, teve 83 milhões de escutas em streaming dessa mesma obra, ou seja, 58.000 “exemplares”!

Um dos primeiros visitantes de Donald Trump depois da vitória eleitoral aconselhou-o a preparar-se para o mundo da Inteligência Artificial que viria, muito rapidamente, dizimar este em que vivemos. Ou seja, nesta corrida contra o tempo, hoje, de algum modo, também aqui, todos ganharam, por enquanto, os do velho mundo de Beaumarchais, porque sobreviveram, e os do novo, de Steve Jobs. Na verdade, foi ele que mudou tudo na emblemática indústria musical. Mas, se então só há vencedores, como faremos nesta noite eleitoral, digam-nos, afinal quem perdeu? Assim, à primeira vista, talvez alguns “guerreiros” de uma aldeia de Astérix muito nossa conhecida. Nunca se orientam bem neste Waterloo digital…