As relações entre poder judicial e poder político sempre foram complexas. Particularmente quando não se sabem respeitar e interferem no espaço e na ação de cada um. E tratando-se de um regime político democrático, mais complicada fica a situação quando não se conhecem limites ou não se medem resultados.

Em democracia contudo é preciso ter a consciência das consequências dos atos. Os atos praticados por magistrados têm impacto que vai além do mero exercício da sua função. Não havendo em democracia poderes absolutos, existe uma dimensão em que, dita o bom senso, se obtém o resultado contrário do que se pretende.

Significa isto que a decisão, quer em política, quer no exercício da função jurisdicional do Estado, tem de cuidar das consequências dos atos praticados. Quando um governante toma uma decisão, este cuida sempre de perceber antecipadamente o impacto da sua decisão. No exercício do poder legislativo existem já modelos de análise ou mesmo instituições organizadas para entender a dimensão e os efeitos de uma lei, de uma norma ou de um conjunto de normas sobre a sociedade ou sobre o conjunto mais direto dos destinatários dessa decisão.

Ninguém desconhece que, quando se toma uma decisão e a mesma se torna pública não há retrocesso. Haverá sempre uma desconfiança, um labéu de dúvida, uma sombra sobre quem se encontra numa situação negativa. E há que distinguir entre quem pratica um ato suscetível de ser considerado um crime gravoso ou uma mera dúvida que, desvanecida, mesmo assim deixa a sua marca.

Temos consciência de que se trata de um domínio pantanoso, mas perante alguns casos que assumem uma dimensão absurda é preciso ter a noção das suas consequências. O caso de Paulo Pedroso é sintomático. Acusado de crime que hoje se confirma não ter tido qualquer participação, não obstante o nome ter ficado limpo e uma indemnização concedida, ninguém pode duvidar que, não obstante esse resultado, haverá sempre alguém que o lembrará e que a carreira política e a vida pessoal terá ficado indelevelmente afetada.

O mesmo se diga de todos os que, mesmo sendo posteriormente considerados como não tendo participado ou tido qualquer atividade em atos indevidos, até a simples consideração de envolvimento ou de ter passado pelo estatuto de arguido, constitui um primeiro passo para a sua condenação pública, com a consequente marca agarrada na pele. E nem é necessário qualquer condenação política. Basta o garrote da opinião pública.

Este tipo de situações corrói a democracia porque se confundem atos criminosos com uma pretensa moral por parte de quem, em muitos casos, não mede as consequências dos seus atos e apenas quer mostrar serviço. Tome-se o exemplo de alguns processos onde apenas se quer mostrar resultados à custa da confirmação da presunção de inocência e sem laivo de culpabilidade.

Se um médico erra é punido. Se um advogado é negligente é sancionado. Se um político governa mal perde apoio. Quando se verifica uma falha com resultados para além do que seria normal como faremos para redimir tais consequências?

Não devemos construir uma sociedade à custa dos outros ou com menos cuidado para com os outros, para mais quando podemos estar a destruir esse modelo em nome dos princípios que pretendíamos preservar.