Sempre que alguém gentilmente me convida para escrever umas linhas para a imprensa, esclareço que não poderá existir incompatibilidade com esta participação quinzenal no Jornal Económico. A minha lealdade com o Jornal Económico (JE) não é contextualizável nos padrões normais deste tipo de colaborações. O JE nasceu de um grupo de extraordinários profissionais que, contra tudo e contra todos, se decidiu a manter vivo um projecto da maior importância para a pluralidade e diversidade da comunicação social portuguesa. Quanto mais livre e diversa é a imprensa de um país, mais qualidade terá a sua democracia.
Se bem se lembram, o Económico TV era o único canal nacional de informação económica. Pela sua vocação e estatuto editorial, dedicava-se a tratar, analisar e a difundir informação essencial, que é descartada pela ditadura de audiências a que se submetem os canais ditos generalistas. Sim, passa-se muitíssimo mais no mundo e no país, com impacto determinante nas nossas vidas, do que o spinning anestesiante dos noticiários de grande consumo. Há um caudal diário de informação relevantíssima que é seleccionado em função de interesses bem diversos daqueles que orientam uma informação clara, abrangente e pertinente.
A novela empresarial por trás do Económico TV e do então Diário Económico é conhecida e radica num Portugal de embustes, malabarismos e compadrios, que pagamos até hoje. O facto extraordinário reside aqui no facto de, ao contrário do que aconteceu em bancos, operadoras de telecomunicações, fundos e outras empresas, o corpo profissional que dava vida a estes projectos nunca se ter confundido com a estrutura accionista, desenvolvendo um trabalho de excelência até ao limite das suas forças, literalmente.
Se António Costa e a geringonça deixaram sem consciência e com alívio morrer por decreto este projecto, é absolutamente incompreensível o sepulcral silêncio da oposição democrática perante este facto. A esquerda, na sua habitual hipocrisia, gritava pelo direito à informação cada vez que o mais irrelevante pasquim de um amigo estava em causa, ou um comissário disfarçado de jornalista se sentia incomodado; aqui assobiou para o lado e esperou que passasse depressa. As caixas de comentários do Diário Económico eram um fiel barómetro do que pensa a esquerda da imprensa livre. Acusavam bem a saudade dos tempos negros de Saramago no Diário de Lisboa.
Felizmente, contra tudo e contra todos, surge o acto de resistência democrática que se chama Jornal Económico. É um orgulho imenso fazer parte desta equipa, como foi um orgulho e um acto cívico fazer setecentos quilómetros por semana até ao fim do Económico TV para o comentário político semanal, e ter escrito semanalmente até à última edição do Diário Económico. Essencialmente por solidariedade com todos os que lutam por informar, essa prerrogativa essencial da liberdade e da democracia.
Decidi que era tempo de voltar a falar disto, num momento em que Donald Trump empreende uma feroz perseguição à imprensa livre na nação que tanto inspirou e legitimou o desejo à liberdade e à democracia de outras nações. Num momento em que as verdades alternativas são a via preferencial de quem manda no mundo e desgoverna o país, é imperioso estar ao lado de quem não desiste da verdade, de quem não abdica de ter opinião própria.
Não duvido que o NY Times sobreviverá, que a CNN continuará, que o Politico resistirá e que o The Guardian não se calará. Como não se calou o Jornal Económico.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.