No período de incerteza que vivemos com a pandemia, é natural que ansiemos por respostas. Já atingimos o pico da curva? Quando regressaremos à normalidade?…

Muitos modelos matemáticos têm sido usados para procurar respostas e fazer previsões e muitas têm sido as evidências de que os modelos falham. Claro que devemos utilizar toda a informação disponível (estatística e não só) para tomar decisões informadas. No entanto, não devemos esperar que os modelos nos deem respostas que não nos podem dar.

Na ciência económica, o tema da modelização matemática do comportamento humano é alvo de debate e, em artigo anterior, abordei os riscos enfrentados pela economia ao mimetizar as ciências exatas. O contexto económico, social e institucional que difere no tempo e no espaço é fundamental no estudo da economia.

A ilustração que hoje vos trago reúne argumentos de dois prémios Nobel da Economia: Amartya Sen e James Heckman. A abordagem de Sen argumenta que a promoção do bem-estar passa por capacitar as pessoas para atingirem os objetivos que valorizam nas suas vidas. No entanto, Heckman critica esta abordagem argumentando que nela falta um modelo que explique as preferências das pessoas e, consequentemente, a sua utilização só pode ser feita num contexto específico e até dentro de um determinado quadro ético-moral.

Para ultrapassar esta lacuna, Heckman sugere um modelo em que as preferências resultam das habilidades e conhecimentos que as pessoas vão acumulando ao longo das suas vidas o que, alegadamente, evitaria a imposição de quadros ético-morais específicos. As aprendizagens seriam os blocos de legos com que cada pessoa vai construindo as suas preferências. O problema nesta argumentação é que as escolhas sobre as aprendizagens também são determinadas pelo contexto económico, social e institucional.

Voltemos à metáfora dos legos em que as aprendizagens são as peças de lego e as preferências são as figuras que cada pessoa constrói. O que acontecerá se dermos a uma criança apenas peças de lego azuis com a dimensão dois por dois? Obviamente, a figura que ela vai construir ficará condicionada, ou seja, as decisões ao nível das aprendizagens vão influenciar as escolhas futuras dos indivíduos.

Esta constatação torna-se ainda mais óbvia quando, na literatura sobre o bem-estar das crianças, se advoga que é preciso ensinar os pais a serem “bons pais”, o que no presente paradigma significa educar as crianças para que, no futuro, sejam indivíduos eficientes pelos padrões da sociedade atual. É muito provável que uma pessoa assim educada percecione a figura de legos que construiu como sendo fruto das “suas” escolhas  mas, na verdade, ela foi igualmente condicionada pelo contexto.

Não será preferível aceitar que não temos modelos universais que explicam tudo e se aplicam a todos? Ao fingirmos ignorar que assim é, a pretexto de uma suposta cientificidade, podemos negligenciar aspetos fundamentais na compreensão da realidade e das escolhas dos indivíduos.