Em 31 de agosto último, uma cerimónia serena, congratulatória, teve lugar no aeroporto Hamid Karzai. As últimas tropas americanas abandonavam o Afeganistão.
Não obstante alguns focos localizados de insurgência talibã, o governo de Cabul, apoiado pelo seu formidável aparelho militar, de centenas de milhares de homens, equipado, treinado e municiado pelos Estados Unidos, ao longo de uma vintena de anos, conseguiu instaurar segurança numa grande parte do país.
Com todas as suas insuficiências, a democracia foi fazendo o seu caminho na sociedade afegã, as mulheres afirmaram os seus direitos, o ensino passou a abranger, sem limitações, ambos os sexos e até a luta contra a corrupção, um cancro eterno no país, começou a impor-se.
Não foi fácil a vida em Cabul e no resto do Afeganistão, ao longo destes 20 anos. Mas valeu a pena o esforço. A Al Qaeda, que os talibãs protegiam, foi desmantelada por ali, não obstante ter gerado “metástases” noutros locais, em especial fruto do erro na abordagem ao caso iraquiano.
Bin Laden desapareceu de cena e os “splinter groups” têm, apesar de tudo, um potencial de desregulação violenta muito diferente daquele que produziu o 11 de Setembro.
O regime afegão vai respeitando, “tant bien que mal”, a separação de poderes e compromete-se cada vez mais a um esforço acrescido em termos de Direitos Humanos, sob o olhar dos países e instituições doadoras, que observam regras de condicionalidade da ajuda.
Com a promessa de um substancial apoio internacional, que o inigualável peso político americano irá favorecer pela sua influência nas instâncias multilaterais, a economia afegã vai ser estimulada em diversos setores, com a luta contra a exportação ilegal de droga a começar a fazer doutrina na vida do país.
O Paquistão, pressionado fortemente pelos Estados Unidos, irá quebrando o apoio de back-up com que os seus serviços secretos estimulam a insurgência talibã.
A Rússia, recetora de lições antigas, tem vindo a reforçar o apoio ao governo do Tajiquistão, para quebrar circuitos de réditos que as papoilas garantiam à guerrilha. Ainda há muito a fazer, mas está tudo bem encaminhado.
Joe Biden pode dizer finalmente aos americanos que fez regressar “our boys”, tal como a sociedade estado-unidense exigia, deixando ali a prova provada de que, afinal, um trabalho paciente pode levar a um “nation building” eficaz, num modelo democrático, com cada caso a revelar as suas caraterísticas, reeditando exemplos de sucesso como, no longínquo passado, haviam sido o Japão ou a Coreia do Sul, ou mesmo a Alemanha.
A ideia de que, com persistência, a “exportação” da democracia se podia fazer, não era um mito. Os aliados dos Estados Unidos, por seu lado, podem também dizer às suas opiniões públicas que a operação afegã não foi um mero seguidismo a Washington, mas representou um compromisso com uma agenda de projeção da paz, digna dos melhores princípios.
Vistas bem as coisas, o trabalho das operações militares, levadas a cabo à distância, por forças armadas empenhadas em objetivos que a comunidade internacional tinha como finalidades “do bem”, não foi um trabalho em vão. Valeu a pena.
Mas não foi assim.