(Miguel Sousa Tavares [MST], outrora um grande jornalista, tem-nos habituado a comentários bizarros, principalmente no âmbito de um programa que é suposto noticiar e, não, reproduzir toda a sorte de opiniões infundadas.

Assim, em pleno espaço televisivo que, pelos vistos, lhe é dado para dizer o que entende, decidiu contemplar-nos com mais uma das suas posições bizarras, desta feita a propósito das afirmações de Mori, enquanto Presidente do comité organizador dos Jogos Olímpicos do Japão. Segundo o mesmo, as infelizes declarações deste reproduzem o que muitos homens, pelos vistos incluindo-o, acham das mulheres, isto é, que falam demais.

É certo que, para Oscar Wilde, homossexual assumido, as mulheres existiam para serem amadas e, não, compreendidas. Contudo, nascido um século depois de Wilde e criado numa elite cultural que não estava ao alcance de todos, esperava-se que MST estivesse num ponto mais evoluído que o famoso escritor. Não está e fica a confissão expressa do que já antes se antevia.

O problema está menos nele do que em quem lhe dá um permanente espaço televisivo para dizer barbaridades. Na minha perspectiva, por exemplo, MST longe dos seus tempos áureos, fala demais há anos. E não apenas não se cala como poucos ousam dizer-lhe directamente que está errado. Mas está. Fica a minha nota, pessoal como todas, incluindo as dele.)

Em época deste estado de emergência e após 20 anos de ensino, fui surpreendida por uma resposta de um aluno brilhante de quem tenho a honra de ser docente. Instado a falar sobre o direito fundamental que considerava mais relevante, respondeu que, quanto a si, era a liberdade de expressão como consequência da liberdade de pensamento. O Manuel tem toda a razão.

Numa altura em que nos tiram quase tudo, em parte resta-nos a liberdade de pensamento. Contudo, mesmo esta se encontra claramente ameaçada, num momento em que nos tiram o acesso aos livros. Se já é certo que os serviços noticiosos nos dão as notícias que decidem, nos termos e nos timings escolhidos por eles, restava-nos aquilo que Kafka tão bem referiu ser “o machado que quebra o mar gelado em nós”. Por mais que se diga o oposto, não pode haver maior perigo na aquisição de um livro do que de uma peça de fruta ou de um amaciador num qualquer supermercado.

Percebo a necessidade da declaração de estados de emergência. Posso até concordar com eles e tinha vindo a fazê-lo, perante a ameaça de um inimigo que se instala mas não se vê e que já roubou muitas vidas. Porém, olhando para o futuro, um povo sem cultura é um povo facilmente dominado. A História já tratou de nos relembrar isso várias vezes. Talvez, por essa razão, cada vez mais façam sentido as palavras de Eco: o mundo está cheio de bons livros que ninguém lê. Se antes era, parcialmente, pelo desinteresse e busca pelo imediatismo, agora também é porque nos é imposto. Leiam. Incluindo (porque não?) MST.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.