Longe parecem ir os tempos em que a troika externa (FMI, UE, BCE) governava Portugal e em que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, afirmava, alto e bom som, perante os seus colegas, em pleno Conselho de Ministros, “qual das três palavras não percebem: não há dinheiro”.
Com os cofres vazios e os mercados a exigirem a Portugal taxas proibitivas para se financiar, o governo liderado por Passos Coelho teve que suportar a pesada herança deixada por José Sócrates. A troika entrou-nos pela porta adentro, exigiu-nos cortes, impôs-nos uma fortíssima austeridade, fez com que os portugueses pagassem a fatura do despesismo socrático.
Durante quatro anos, passámos por imensas dificuldades, com impostos a subir, com a criação de sobretaxas, pensões e ordenados a sofrerem cortes, serviços públicos a serem esvaziados. Tivemos de apertar o cinto; vários furos.
No final deste processo, estávamos outra vez mais magros, tínhamos reencontrado o crescimento, o défice público tinha descido significativamente, conseguíamos, novamente, financiar-nos a taxas de juro baixas e sustentáveis. Os mercados acreditavam outra vez em Portugal. Era altura de parar com a dieta, embora sem cair, de novo, na tentação de ignorar a balança.
Vieram as eleições e, estranhamente, o povo não castigou, pelo menos tanto quanto seria de esperar, o governo que os havia maltratado, que havia feito uma subida brutal de impostos, que tinha conjugado como ninguém a palavra austeridade.
Não obstante, a esquerda uniu-se e fez tábua rasa do sufrágio eleitoral, reivindicando uma vitória que não havia sido sua. Fazendo uso da regra constitucional que permite rejeitar o programa do governo que tinha saído triunfante das eleições legislativas, PS, CDU e BE derrubaram o governo do centro-direita e trouxeram de volta ao país uma troika, esta interna, comummente conhecida como “geringonça”.
Nos dois primeiros anos de governação, tudo pareceu correr sobre rodas, vivendo-se num clima de autêntica lua-de-mel. Jerónimo e Catarina manifestavam-se apaixonados por António e raras eram as situações em que deixavam transparecer desavenças. O casamento, que tantos haviam condenado ao fracasso, até porque, estranhamente, envolvia três cônjuges com feitios muito diferentes, funcionava às mil maravilhas. E nem a escolha de um novo padrinho, vindo de uma corrente ideológica diferente, pareceu pôr em perigo este matrimónio. Marcelo estava, também ele, disponível para abençoar esta união e ajudar com os seus afetos os três pombinhos.
Mas eis que vieram as eleições autárquicas e que um dos três parceiros conheceu um resultado que o penalizou fortemente. Sem grande margem de manobra, a CDU, enciumada com as benesses com que o eleitorado tinha presentado os PS e BE, decidiu pôr em pratos limpos as suas condições para continuar com o casamento. Falou em greves, manifestações, agitação social, recuperação de direitos, descongelamentos, reposições.
E, quando se esperava que o cabeça-de-casal assumisse uma posição firme e não cedesse nos seus princípios, eis que este aceitou subjugar-se à chantagem que vinha da sua esquerda, abrindo a porta à possibilidade do diabo voltar a acordar. Como uma bola de neve, todos aqueles que se sentiam prejudicados vieram para a rua exigir aquilo de que haviam sido espoliados pela troika externa.
Enfermeiros, médicos, professores, magistrados, militares, polícias, um a um, apresentaram-se como credores dos milhões de euros que lhes haviam sido retirados. E o Governo não lhes soube dizer que não, que não é possível dar tudo a todos, que o crescimento ainda é frágil, que o défice ainda subsiste, que a dívida é esmagadora, que o que hoje parece uma manhã soalheira facilmente se transforma numa tarde nublada, ameaçando, mesmo, converter-se numa noite tempestuosa.
Os muitos milhões que nos irão custar esta deriva despesista do Governo socialista poderão fazer com que o célebre mafarrico, tantas vezes anunciado por Passos Coelho, afinal sempre nos visite um dia e que, mais cedo do que certamente desejaríamos, nos apareça um novo ministro das Finanças outra vez com o discurso de que não há dinheiro. É que se Centeno é, por estes dias, considerado o Cristiano Ronaldo das finanças, aparecendo mesmo como potencialmente presidenciável para o Eurogrupo, não estranharíamos se, dentro de alguns meses, perante uma eventual derrapagem das finanças públicas, não muito difícil de perspetivar, o mesmo fosse apeado do pedestal a que o quiseram elevar, transformando-se em mais um dos “Dons Sebastiões” que teimam em fazer parte da narrativa dos portugueses.