Era uma soalheira tarde de abril e o Benfica jogava com o Porto na Luz. Se calhar era com o Sporting; pouco importa. Como diria José Régio, isto é só um pretexto para este miserável texto.

Ao minuto 87 o árbitro apitou e apontou para a marca de grande penalidade! A bola foi colocada na marca, o jogador correu para a bola, bateu… e foi golo! O jogo terminou de seguida; os ânimos inflamaram-se. Erro de arbitragem clamoroso, diziam uns! Foi um penálti claro, diziam outros! Nas televisões, nos painéis do costume, os não menos costumeiros comentadores, esgatanhavam-se.

O árbitro, cansado de justas, deixou de arbitrar. Pelos relevantes serviços prestados passou a presidir ao órgão de jurisdição do futebol.

O tempo passou, mas a equipa perdedora não se conformou. E, tal como se achava previsto nos regulamentos, nesse ano impugnou o campeonato, ganho pela equipa que havia marcado aquele penálti. Havia outras razões de queixa para além daquele penálti, mas aquele momento foi um escândalo.

O processo foi remetido para o órgão jurisdicional e distribuído para decisão ao seu presidente: o árbitro do malfadado jogo!

O que se seguiu, é difícil de descrever: o escândalo do futebol estava em todas as bocas. Como é possível uma coisa destas? – perguntavam. Que independência tem o órgão julgador? – interrogavam-se. Os comentadores desportivos descabelavam-se, nos cafés ocorriam cenas de pugilato entre os adeptos das duas equipas e os proprietários dos jornais desportivos sorriam, enquanto lançavam gasolina na fogueira.

Não longe dali, na Gomes Freire, depois de meses de aturada investigação, havia sido desmantelada, diziam, uma importante rede de corrupção transnacional. Meses de escutas, dezenas de buscas e apreensões, derrogações de sigilo bancário e fiscal, tudo se encaminhou para aquele momento perfeito. Tudo havia sido feito no maior respeito pelo cumprimento das formalidades: fez-se intervir um juiz de instrução criminal que validou, uma por uma, todas as interceções telefónicas. Esse mesmo juiz presidiu, estoicamente, a todas as buscas domiciliárias, confrontando-se, às sete da manhã, com toda uma plêiade de padrões e cores de pijamas. Determinou, com a autoridade de quem age em nome do povo, que fosse selada e preservada para lhe ser presente toda e qualquer correspondência!

Os indícios foram analisados, os mandados foram emitidos e as detenções foram feitas. Rigorosamente dentro do prazo legal, o juiz, pacientemente, ouviu todos e cada um dos arguidos detidos. Conhecedor da prova existente no processo e absolutamente convencido da legalidade desta – ou não tivesse sido ele a autorizá-la – não teve quaisquer dúvidas ou hesitações quando chegou o momento de lhes aplicar as medidas de coação. O tempo passou e a acusação foi feita, mas os arguidos detidos não se conformaram com ela. E, tal como se achava previsto na lei de processo, resolveram sindicar judicialmente a acusação e a legalidade das provas obtidas, requerendo a abertura da instrução. O processo foi remetido para o órgão jurisdicional e distribuído para decisão ao juiz que havia acompanhado aquele inquérito.

No caso do juiz desportivo, o que se seguiu, é difícil de descrever: o escândalo do futebol estava em todas as bocas. Como é possível uma coisa destas? – perguntavam. Que independência tem o órgão julgador? – interrogavam-se. No caso do árbitro da justiça, nada se objetou.