Conforme já foi amplamente divulgado, a Transparência Internacional publicou em meados do mês de fevereiro o Índice de Perceção da Corrupção (IPC) referente a 2024, do qual se evidenciou o pior resultado histórico de Portugal neste estudo, na sequência de uma estagnação (em 2022) e declínio (em 2023) do nosso scoring. Mas afinal, qual o motivo para esta tendência negativa no IPC, precisamente em anos em que passamos a ter um regulador e um decreto-lei que estabelece medidas para a prevenção da corrupção?

Pois bem, haverá vários motivos que explicarão esta tendência, e que só poderão ser factualmente justificados por quem representou Portugal nas respostas dadas sobre corrupção que serviram de base ao cálculo do IPC para Portugal referente a 2024.

O que se poderá constatar é que o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), enquanto regulador, e o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC), enquanto normativo nacional anticorrupção, não têm tido o impacto esperado desde a sua criação/entrada em vigor. Tal tornou-se de certa forma evidente, quando apenas menos de 1/3 do total das entidades abrangidas pelo RGPC (que serão mais do que 17 500) submeteu a informação solicitada pelo MENAC na Plataforma RGPC, até ao passado dia 14 de fevereiro.

Como a culpa não morre solteira, considero existirem três principais motivos que justificam um nível de cumprimento do RGPC e de resposta às notificações do MENAC aquém do que seria expectável – o RGPC, o MENAC e as entidades obrigadas.

  1. RGPC

Não obstante existirem algumas zonas cinzentas sobre determinados artigos do RGPC, destaco como principal lacuna o facto do RGPC ter definido como critério único de aplicabilidade o número de trabalhadores empregues pelas entidades e, em cima disso, definir que esse número corresponde a, no mínimo, 50.

Reconhecendo a bondade em procurar abranger o máximo de entidades na luta contra a corrupção, a verdade é que este nível de abrangência acabou por evidenciar um alheamento face à realidade das empresas, resultando num nível significativo de incumprimento total ou parcial do RGPC.

Um vasto número de entidades portuguesas não tem meios que as permita conhecer e manter-se a par das obrigações legais a que têm de dar cumprimento, para além daquelas que incidem sobre aspetos financeiros e/ou fiscais ou de outra natureza com impacto direto na sustentabilidade dos seus negócios. Outras tantas, não têm uma estrutura e/ou meios financeiros que permitam assegurar o governance necessário para que as medidas de prevenção da corrupção definidas no RGPC sejam aplicadas e monitorizadas de forma apropriada e eficaz.

Uma eventual revisão futura à redação do RGPC, poderia considerar

  1. um aumento do número mínimo de trabalhadores a considerar como critério de aplicabilidade;
  2. outros critérios de aplicabilidade complementares ou alternativos ao número de colaboradores; ou,
  • um escalonamento das medidas a que as entidades estão obrigadas a cumprir, em função da dimensão e natureza das entidades.
  1. MENAC

O MENAC tem sido uma dupla vítima – do RGPC e de si mesmo.

As zonas cinzentas do RGPC e o número alargado de entidades obrigadas dificultam em muito o trabalho de qualquer entidade que tenha como atribuições o controlo e aplicação de sanções sobre as matérias relacionadas com o RGPC. Ainda mais, quando essa entidade se depara com as dificuldades típicas do setor público no que respeita à contratação e mobilidade de recursos.

O MENAC, numa tentativa de recuperar o tempo perdido, começou a mostrar-se ativo ao publicar guias e orientações para apoiar as entidades obrigadas a cumprir o RGPC. No entanto, a falta de experiência prática levou a orientações que geraram confusão e desfasamento face à realidade das entidades.

Além disso, as notificações recentes do MENAC que obrigaram à submissão de documentação na plataforma RGPC causaram ruído no setor privado sobre a interpretação jurídica da Lei e a obrigatoriedade de cumprir essa solicitação.

Por fim, a falta de clareza sobre o uso e grau de escrutínio da documentação recebida pelo MENAC poderá provocar junto das entidades a sensação de inconsequência, levando a que este tema seja objeto de determinada relativização.

  1. Entidades obrigadas

A experiência tem mostrado que muitas entidades só começam a tratar seriamente as questões de compliance após sofrerem impactos financeiros ou danos reputacionais significativos.

Além disso, o facto de inúmeras entidades ainda não terem estabelecido uma função de compliance dedicada, preferindo delegar as responsabilidades do RGPC a colaboradores que podem não ter o tempo e/ou as competências necessárias, agrava este problema.

Mesmo nas organizações onde a função de compliance está presente, o investimento em recursos técnicos e humanos frequentemente não é suficiente, resultando numa abordagem superficial que se concentra apenas em ter a documentação necessária para demonstrar conformidade. Deste modo, é essencial que as organizações invistam de forma proativa em compliance, assegurando condições para uma atuação eficaz e sustentável.

Em síntese, só um esforço e empenho coletivos dos vários intervenientes públicos e privados serão suficientes para melhorar o quadro atual no que respeita ao combate à corrupção. De outra forma, não há milagres.