A crise sanitária que vivemos veio pôr em causa muito daquilo que assumimos por adquirido e é um alerta sobre a forma como as nossas acções afectam muitas vezes a saúde e o bem-estar global. Contudo, não é certo que daqui venha a resultar uma mudança paradigmática, apesar da oportunidade ímpar para podermos, global e localmente, alterar a forma como temos vivido. O actual contexto sanitário reforçou a urgência de medidas que promovam a redução das desigualdades sociais, o reforço do Estado social, a alteração da natureza do trabalho e, forçosamente, de cessar com o consumo voraz e acelerado dos recursos naturais.

Não faltam planos e estratégias redigidos com as melhores intenções, aludindo a conceitos-jargão como sustentabilidade, economia circular ou uso eficiente dos recursos. Mas o que pregamos está longe do que é praticado. A visão estratégica para o plano de recuperação económica do país dá nota de que vivemos uma recessão económica sem precedentes e cuja recuperação se antecipa difícil e lenta.

Segundo o FMI, o impacto da Covid-19 está a ser maior do que o esperado, não só pelos gastos que lhe estão associados e pelos efeitos do lockdown, mas também pela imprevisibilidade da recuperação. Numa escala da crise económica em 38 países, Portugal está em 30.º lugar com um declínio de 15,3% do PIB e, pior, quatro (Itália, França, Espanha e Reino Unido) dos seis países para onde Portugal mais exporta estão na cauda desta tabela. Acrescem a esta conjuntura  as incertezas associadas aos impactes das alterações climáticas, ultrapassados que estão, segundo a comunidade científica, vários pontos de não retorno.

Poderemos dar-nos ao luxo de continuar por este caminho? Terão os governantes, as empresas e os cidadãos a coragem para travar este rumo – estes últimos mediante uma participação mais activa capaz de influenciar o processo de tomada de decisão?

Sendo os recursos finitos (incluindo os financeiros) e efectivamente cada vez mais escassos, importa que sejamos mais exigentes quanto à eficácia, à eficiência, ao rigor, à possibilidade de participação cidadã nessa tomada de decisão e à transparência com que são feitos os investimentos por quem gere os fundos em nosso nome. E, porque temos de assegurar eficácia na execução deste plano e do financiamento comunitário, não podemos ver repetidos casos como o do Programa Ferrovia 2020 que, prometendo mundos e fundos, quatro anos após o seu anúncio chegou ao início de 2020 com uma taxa de execução de apenas 10% e apenas uma obra  concluída.

No que respeita ao futuro do país (e do Planeta) não nos iludamos. Da mesma forma que não há Planeta B, também não há Portugal B! Não podemos desperdiçar esta oportunidade, precisamos de uma viragem quanto ao modelo de desenvolvimento que queremos para o país: um modelo assente nas diferentes dimensões da sustentabilidade, que crie pontos de esperança ao invés de não retorno e que assegure o futuro das presentes e futuras gerações.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.